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Jesus dizia a todos: "Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome diariamente a sua cruz e siga-me. Lucas 9:23.

18 outubro 2012

Casamento “Amarrotado”, mas de “Papel Passado”


O personagem de Alexandre Borges na novela “Avenida Brasil”, da Rede Globo é, sem dúvida, um dos papéis mais hilários do ator. “Cadinho”, um rico empresário, bon vivant, é casado com 3 mulheres ao mesmo tempo e possuí 3 filhos, um com cada uma delas.

Até aí, levando-se em consideração as idiossincrasias dos “tempos modernos”, dá para entender, pois, decerto, o cara é mesmo bom de enganação. O inusitado, todavia, é que em certo momento da trama, “Cadinho” passa a viver simultaneamente com as três mulheres, e isso de forma consensual, ou seja, ele torna-se uma espécie de marido on demand, tendo que cumprir uma agenda semanal na qual busca atender as necessidades de cada uma delas.

Não obstante tudo isso, mesmo não podendo ser “casado” com todas as “esposas”, tendo sobre si as implicações legais, os relacionamentos de “Cadinho” são legítimos, uma vez que ele mantém um convívio estável com cada uma delas. É que no Brasil não existe crime de “poligamia”, mas de “bigamia”, previsto no artigo 235 do código penal, o qual trata do fato de você tentar fazer o registro em cartório de um casamento já tendo outro registrado anteriormente.

Assim, do ponto de vista civil, pode-se ter quantas mulheres quiser, sem que isto incorra em crime, mas apenas um casamento registrado em cartório, não esquecendo que uniões estáveis possuem os mesmos direitos daquelas de “papel passado”. Quem consentir em viver nestas condições, que o faça, de livre e espontânea vontade.   

Na verdade, “Cadinho” tem, ao mesmo tempo, três mulheres e nenhuma. Sim, por que ter um casamento não significa ter filhos em comum, ou uma casa, bens, dormir no mesmo quarto, na mesma cama, ir junto a lugares, festas, fazer supermercado, pagar contas, e até ter relações sexuais! Nada disto define um casamento! Casamento não é uma existência a dois, mas, dois que, na existência, se fazem um em essência.

É triste, mas há muitas pessoas “casadas” que jamais se casaram. Elas se “deram” no papel, mas não se entregaram no coração, juntaram coisas, mas não partilharam sonhos, conviveram, mas não compreenderam o significado de conjugalidade, habitaram o mesmo ambiente, mas nunca os "cômodos" da alma um do outro, fizeram sexo e não amor, geraram filhos, mas não puderam criá-los tendo o casamento como referência de relacionamento.

Neste sentido, a bíblia nos dá uma dica sobre o que é casamento: “... Portanto, deixará o homem pai e mãe, e se unirá a sua mulher, e serão dois numa só carne”. MT. 19:5.

Há três implicações profundas para que algo desta natureza possa se estabelecer sobre o passadiço da vida: (1) “deixar pai e mãe”, que tem a ver com a quebra dos vínculos emocionais, ou seja, é a emancipação do sujeito como indivíduo capaz de dar rumo e significado a própria vida.

(2) “Unir-se a sua mulher”, que diz respeito ao ato público de assumir um estado existencial com as prerrogativas de poder mantê-lo e provê-lo de todas as suas necessidades sociais. Uniões só se estabelecem de forma duradoura quando partilham de valores e princípios, pois, como disse o profeta Amós: “como andarão dois juntos se não houver entre eles acordos?”.

(3) Finalmente, “ser uma só carne”, que trata das implicações espirituais daqueles que se unem fisicamente para o bem, pois sexo não é apenas coito, mas um ato que “mistura” a essência das pessoas. Sim, nele há a liberação do que de mais íntimo há em nós, e não apenas de fluídos, com desdobramentos para além dos sentimentos, pois depositamos um pouco de quem somos no outro e trazemos para nós um pouco daquilo que o outro é. Sexo é simbiose de alma e partilha de espírito, é troca para além da matéria, é coisa transcendental, muito antes de ser carnal.

Portanto, preste bem atenção no tipo de relacionamento que você está construindo! Não chame de casamento o que é apenas um contrato por cotas limitadas, com objetivos comuns, divisão de tarefas, participação nos resultados e geração de ativos.

Contudo, se quiser mesmo viver um casamento, dou-te um conselho: pense mais no outro do que em você, entregue-se sem receios ou reservas, ame com toda a intensidade, sabendo que amor é uma opção, não um sentimento, faça filhos por amor e sexo sem pudor. Não esqueça, todavia, o principal: peça para que Deus lhe ajude a construir uma família, não uma empresa.

Carlos Moreira

18 setembro 2012

Homens que Marcam o Chão em que Pisam




Há homens que nascem para marcar o chão em que pisam. Eles são singulares, irrepetitíveis. Gente desta envergadura não se satisfaz em passar pela vida como turista. Eles desejam imprimir algo na história da humanidade, saciar o apetite de ir além do trivial.

Pensando nisso, lembrei que a indústria do entretenimento, motivada em reverenciar e imortalizar seus ídolos criou a famosa Calçada da Fama, em Hollywood. O seu longo passeio, de forma inusitada, está “eternizado” com as marcas das mãos e pés de centenas de celebridades do showbiz.
   
Mas para entrar nesse seleto hall é preciso atingir o “sucesso”, tornar-se midiático, e, não raro, extravagante. As marcas daquela calçada mais parecem “pegadas” que descortinam a história de cada um, todas escritas num chão comum. Mas foi a “poeira da existência”, acumulada pelos anos, o que acabou por esculpir na lousa da vida o que veio a se constituir narrativa pessoal.

O que tenho observado na “sociedade da imagem” é que só aqueles que escreveram seus nomes nas “Calçadas da Fama” se notabilizaram. Ninguém se atém às “pegadas” comuns daqueles que se levantam às cinco da manhã para realizar coisas corriqueiras. Gente que tem de caminhar pelo solo pedregoso da favela para apanhar a condução lotada e ir para o serviço. Eles entram nas fábricas, cumprem suas jornadas e recebem pelo que fazem. Mas, sem perceber, acabaram se tornando apenas peças da grande engrenagem que engole pessoas e devora o ser.

Pelas “calçadas da vida” há pegadas de muita gente boa, quase todas sobrepostas, o que nos mostra que, independentemente da direção, o caminho de todos os homens é sempre o mesmo. As marcas que produziram ficam apenas “impressas” no diário daquele dia, na rotina anônima de cada um. E assim, ao final da empreitada, todas desaparecem, sobra apenas a fadiga da alma e o cansaço do corpo.

Analisando tudo isso, ocorreu-me a figura de Moisés, o hebreu que conduziu o povo de Israel do Egito até a Terra Prometida. Sempre acreditei que o fato dele não entrar no lugar que fora prometido aos Patriarcas produziu uma imensa frustração, pois diz o Texto Sagrado que ele apenas viu a terra de longe e faleceu em seguida.

Como sabemos, Moisés caminhou 40 anos pelo deserto. Certamente neste tempo produziu muitas pegadas, mas todas foram apagadas pelo tempo e pela areia do solo da Palestina. Elas não ficaram esculpidas senão na sua alma, pois caminhar no deserto faz as pessoas enrijecerem a pele e abrandarem o coração. O “deserto” não é local para empreender uma carreira de sucesso, é lugar para forjar homens de valor.

A história de Moisés, de certa forma, é semelhante à minha, quem sabe, à sua. Eu já andei muito pelo chão da Terra, mas todas as minhas pegadas foram apagadas pelo tempo, delas nada restou a não ser a lembrança dos caminhos que fiz, tanto os que me conduziram à paz e ao bem quantos os que se constituíram veredas de sombra da morte.

Por isso, ao lançar o seu olhar sobre alguém, não busque apenas discernir se ele conseguiu ou não escrever seu nome no hall de galerias célebres, como a Calçada da Fama. Pois, como disse certa vez Clarice Lispector: “Antes de julgar a minha vida ou o meu caráter... calce os meus sapatos e percorra o caminho que eu percorri, viva as minhas tristezas, as minhas dúvidas e as minhas alegrias. Percorra os anos que eu percorri, tropece onde eu tropecei e levante-se assim como eu fiz. E então, só aí poderás julgar...”.

Às vezes, os grandes passos que damos não serão sequer percebidos, passarão incólumes da “plateia”. Eles não serão transmitidos em cadeia nacional de televisão, como foram os de Neil Amstrong, que pisou no solo lunar. Contudo, tais pegadas, feitas sob a poeira que se esvai, ao final de um dia comum, no solo sagrado da vida, revelam o caminho que um homem escolheu fazer, qual direção desejou seguir e que tipo de “frutos” colherá enquanto caminha.

Carlos Moreira

10 setembro 2012

Meu Vício é Viver




Fazer o quê? Não tenho como negar que há em mim essa disposição incansável de continuar, de persistir e resistir até ao improvável. Desenvolvi uma atração irresistível para tentar fazer o que outros não puderam, ir por onde muitos fracassaram, perseguir o que poucos conseguiram.

Fazer o quê? Eu gosto de frio, de chuva, de dias cinzentos, de engarrafamentos, de observar gente que vai e vem. Gosto da cidade grande, de cafeterias, livrarias, de boas conversas e mentes abertas. Gosto da solidão, da ocasião, de manteiga no pão e de por os pés na aspereza do chão.

Fazer o quê? Eu gosto de correr riscos, me expor e, por vezes, até de me contrapor. Mudo de faixa, mudo de lado, mudo de opinião, mudo às vezes fico, emudeço e deixo a mente vagar, transporto-me para outro lugar, fecho-me em copas, desapareço, saio de mim mesmo, deixo a casa e o ser vazios.

Fazer o quê? Tenho uma atração curiosa por coisas velhas. Admiro o retrô e possuo uma estranha saudade do passado. Não é nostalgia, mas gosto pelo antigo. Já senti muitas vezes que não faço parte deste tempo, deste mundo, desta geração. É pura contradição trabalhar com tecnologia e apreciar o rudimentar, o artesanal, o personalizado.

Fazer o quê? Já conheci muita gente, participei de muitas “rodas”, mas ainda não consegui fazer um amigo. Amizade é coisa difícil de conceituar, difícil de manter e mais difícil ainda de achar. Possuo, sim, muitos conhecidos, mas amigo, amigo mesmo, ainda não; quem sabe, um dia...

Fazer o quê? Eu sou exagerado, passional e ansioso. Tudo o que faço é extremado, é 8 ou 80. Não existe em mim meios-termos, nunca fui comedido, equilibrado, contido ou centrado. Sou excesso e paixão, sou intenso e emoção. A vida, essa sim, me pôs rédeas, o fracasso me impôs a razão e as quedas a ponderação. Mas não se engane, no fundo, ainda sou “bicho solto”.

Fazer o quê? Eu me enfado com a mesmice, não gosto de serializações, de rotinas, de agendas, de programas, de coisas ensaiadas, organizadas. Gosto do inusitado, da aventura, do improviso, do momento. Tenho ânsia em criar, sou movido por espasmos, impulsos violentos, saio do asfalto, ando por atalhos, crio meus próprios mapas, faço rotas onde não há estradas.

Fazer o quê? Apesar de toda a timidez, impensável para quem me aprecia, fato para quem me conhece, gosto de me expressar, sou ser polêmico, de opiniões firmes, convicções quais estacas fincadas no ser, por vezes, inamovíveis. Dificilmente ando de forma cartesiana, estou sempre na contra-mão, no contra-fluxo, do lado “errado” da rua, do lado de fora, onde há pouca ou nenhuma companhia.

Fazer o quê? Tornei-me alguém sem grandes ambições ou muitas pretensões. Como imaginava, na meia idade já conquistei tudo o que desejava meu coração. Um dia, é fato, eu quis dominar o mundo inteiro, mas isso quase me custou perder a minha alma. Ainda tenho uns poucos sonhos, que valem a pena ser sonhados, mas é coisa “rala”, simples e até fácil de se alcançar. 

Fazer o quê? Se ainda há tanto por fazer, e muito mais ainda para ser, não me venha falar em aposentadoria, ócio, feriado ou dia de Santo. Dá licença que eu vou passar, abra espaço que preciso seguir, estou grávido de esperanças e devo em breve parir singularidades. Sim, não espere por mim para o jantar, pois vou por esta estrada imprecisa, nesta ânsia de transcender, de ir além do que sou, tornar-me algo que ainda está por se fazer. E fazer o quê, se meu vício é viver?

Carlos Moreira

 

30 agosto 2012

Na mesa da reconciliação, o cardápio é sempre o Perdão



Davi, o grande rei de Israel, era um homem de batalhas, que na vida colecionou muitos inimigos. Conhecido por sua personalidade forte, por vezes, dura como o aço, em outras ocasiões, todavia, doce como o mel, ele foi responsável pela escrita de quase metade dos salmos da Bíblia.

É dura tarefa realizar a interpretação de textos, sobretudo quando não somente ele, mas o próprio autor está distante de nós. Instiga-me, contudo, esse desafio de decifrar o que habita o coração de alguém em certos momentos de sua vida, como, por exemplo, no caso de Davi, quando ele escreveu: “Prepara-me uma mesa na presença dos meus adversários”, que é uma frase inquietante do extraordinário Salmo 23.

Nesse caso em particular, fiz diversos movimentos exegéticos: busquei compreender a frase por múltiplos ângulos: utilizei traduções diferentes, visitei o original hebraico e analisei a crítica dos especialistas. Mas, para ser honesto, o que lhes trago aqui é a minha maneira de percebê-la, o desejo que tenho de encarná-la como prática existencial, a necessidade de transformar letra em carne.

Essa percepção tão intimista foi construída a partir de um sem-número de observações enquanto ouvia pessoas, anos seguidos, tendo acesso aos seus medos, dores e dramas. Foi assim que compus, a partir do mosaico de suas vidas, essa imagem alegórica que agora passo a lhes apresentar.

Há certo tipo de gente que mais se parece com postes por cujos cabos condutores passam imagens, sons, palavras, ações e sentimentos. Suas almas são como emaranhados de fios desencapados, em flagrante perigo de curto-circuito! Creia-me, há indivíduos que se especializaram em construir “gambiarras” no ser, complexificaram tanto a existência que, depois, nem sabem mais quem são, nem o porquê do que estão fazendo.

Na verdade, essa alegoria da interseção de “fios” nada mais é do que os relacionamentos que travamos na vida, sejam eles afetivos, familiares, profissionais ou de amizade, os quais, por vezes, entram em colapso por motivos os mais diversos.

É triste, mas me parece que à medida que o tempo avança e “devora” a vida, tanto mais as pessoas vão se tornando solitárias, com muitos dos seus relacionamentos, literalmente, se “incendiando”, deixando no caminho percorrido um rastro de cinzas e silêncios.

Por isso, tendo como arquetipia essa interpretação do Salmo 23, peço a Deus para pôr na minha presença uma mesa onde estejam todos os meus desafetos. Sim, digo isso porque a gente não se senta com inimigos à mesa, nós os enfrentamos no campo de batalha! Pedir uma mesa na presença de adversários é algo, simplesmente, impensável, eu sei, e talvez seja por isso que eu tanto o deseje.

O motivo, por outro lado, é bem simples: essa mesa pode ser a única possibilidade de reatar laços partidos, resgatar amigos perdidos, reaver momentos que seriam bons, mas que foram desperdiçados para sempre.

Nessa mesa eu poderia usufruir de gargalhadas que nunca foram dadas, alegrias não experimentadas, recobrar abraços perdidos e partilhar choros contidos. Sim, nesse lugar de encontro seria possível desfrutar da solidariedade que tem tanta serventia quando somos visitados pelos dias cinzentos da existência.

Na minha interpretação da frase lapidar de Davi, a mesa se põe na presença dos inimigos para que eles possam novamente sentar-se ao meu lado, pois assim é possível haver perdão, cura e libertação. O óleo que desce sobre a cabeça tem por finalidade sarar a consciência e produzir saúde para pacificar a alma, e o cálice, aqui também alegorizado, deve sempre transbordar o vinho da alegria, deixando vazar o regozijo que há quando na vida se torna possível o reencontro e a reconciliação.

Quão bom seria poder sentar numa mesa como essa, fosse eu convidado de outrem, fosse o anfitrião da festa do amor! Pena que a realidade nos revele um cenário tão diferente, pois nele é a intolerância e o rancor que são servidos como prato principal, nunca a paz e o perdão.

Por isso, se te for possível, reconcilia-te ainda hoje com o teu semelhante, pondo perante ti e ele uma mesa, conclamando Deus como tua testemunha desse ato de grandeza. Sim, faça isso enquanto ainda há tempo, pois talvez chegue o dia em que a tua mesa seja apenas feita de distâncias e nela tu estejas, absolutamente, só...

Carlos Moreira

 

25 agosto 2012

Quando a Superstição Transforma a Alma Numa "Usina de Fantasmas"



Edmund Burke, filósofo e político anglo-irlandês do século XVIII, escreveu certa vez: “A superstição é a religião das mentes simples”.

Eu penso que uma das coisas mais significativas que o Evangelho produz é a libertação, pelo conhecimento da Verdade, de todo tipo de superstição, sofisma e conceitos do senso comum que venham a se alojar na consciência do homem natural.

Mas o que é superstição? Trata-se de uma crença contrária à lógica formal, algo que vai de encontro à racionalidade e está baseado em tradições populares relacionadas ao pensamento mágico. O supersticioso acredita que rezas, feitiços, maldições e outros rituais possuem influência transcendental e podem alterar o destino das pessoas.

Nas minhas observações como pastor, sobretudo na escuta terapêutica, constatei um fenômeno curioso entre os “evangélicos”: muitos deles possuem um alto grau de superstição! Na maioria dos casos, tais crendices estão associadas à Teologia Moral de Causa e Efeito, aquela que faz com que haja uma ação de punição Divina sempre que o indivíduo realiza alguma coisa errada, uma espécie de bateu-levou.

Um dos exemplos mais comuns, trata dos que crêem que Deus os castiga sempre que eles deixam de dar o “dízimo”. Em tais circunstâncias, afirmam, “deus” libera o “devorador” – uma alegoria creditada a um tipo de gafanhoto que atacava ferozmente as lavouras e que aparece descrito no Velho Testamento – com vistas a que ele destrua objetos, cause transtornos diversos, desarticule oportunidades e, pasmem, provoque até enfermidades!

Cada vez mais, tenho encontrado pessoas atormentadas por neuroses que foram construídas a partir de suas percepções infundadas e da concatenação de uma teologia perversa, a qual, não raro, foi inoculada em suas consciências infantis através de “doutrinas” pregadas pela própria “igreja”. Aos poucos e, sem perceber, muitas delas acabam se tornando usinas de “fantasmas”.

Essa “patologia religiosa”, tristemente, tem destruído indivíduos tornando-os inválidos para a vida boa e simples. É que tais percepções, irremediavelmente, desenvolvem na alma uma espécie de vício psicológico que leva o sujeito a relacionar tudo de ruim que lhe acontece como sendo conseqüência de algo “errado” que ele fez. Na esmagadora maioria dos casos, entretanto, tais questões estão ligadas a fantasias, coisas totalmente dissociadas de qualquer dinâmica existencial que, de fato, possa produzir alguma coisa danosa ao ser.  

Coincidentemente, essa semana ouvi algo desta natureza... No relato, a pessoa me informava que havia descoberto que os problemas de seu casamento, que culminaram na separação, estavam associados ao fato de, no passado, o casal ter destruído muitos “despachos” em encruzilhadas, e isso sem estar devidamente “cobertos espiritualmente”.

Apesar da sinceridade da pessoa e de seu drama ser real, não é difícil averiguar a presença da fantasia produzida por uma consciência debilitada associada a uma alma ferida. Em seu “discurso”, fica claro o surgimento dos mecanismos de transferência, no caso repassando a responsabilidade pela falência do matrimônio para o “diabo”, seguido da questão da “doutrina” da “cobertura espiritual”, algo sem qualquer consistência do ponto de vista das Escrituras, mas que, em sua percepção, acabou os deixando sem o devido “isolamento” para lidar com as “cargas espirituais do mal”, além do total desconhecimento de doutrinas essenciais e elementares, como a da justificação pela fé.

Pois bem, essas questões que envolvem superstição e consciência aparecem com frequência nas Cartas de Paulo. Em 1ª. Coríntios capítulo 10 ele trata do tema de forma bastante lúcida. Observe: “Considerem o povo de Israel: os que comem dos sacrifícios não participam do altar? Portanto, que estou querendo dizer? Será que o sacrifício oferecido a um ídolo é alguma coisa? Ou o ídolo é alguma coisa? Não...”. 1 Co. 10:18-20

Paulo está fazendo uma analogia sobre a Ceia do Senhor. Sua argumentação é que aquele que come o que está no altar deve discernir o que o altar representa e também a quem ele está consagrado. Ora, quando trata do altar, do sacrifício e do ídolo pagão, afirma categoricamente que nada daquilo tem representação espiritual para aquele que está em Cristo Jesus, ou seja, ele está afirmando que, apesar dos poderes espirituais invisíveis existirem, a sua influência material real só tem aplicação para aquele que a ele credita alguma coisa, abrindo assim “portas” espirituais para a ação de demônios.

Caso contrário, tudo o que ali estiver exposto perde sua significação posto que o alimento que foi sacrificado ao ídolo, em si mesmo, nada representa: não é nem moral nem amoral, nem bom nem ruim, nem santo nem profano. Assim, só ganha representação para aquele que a ele credita alguma crença, a qual pode vir a transferir “poderes” do mundo espiritual para o mundo da matéria. 

E continua sua argumentação... “Se algum descrente o convidar para uma refeição... coma de tudo o que lhe for apresentado... Mas se alguém lhe disser: “Isto foi oferecido em sacrifício”, não coma, tanto por causa da pessoa que o comentou, como da consciência, isto é, da consciência do outro e não da sua própria...”. 1ª.  Co. 10:27-29.

Perceba que o que Paulo está afirmando é que, mesmo que eu coma algo que foi sacrificado ao ídolo, para mim, nenhuma influência terá, uma vez que minha consciência sabe que nem a comida nem o ídolo têm qualquer simbolização espiritual ou poder sobre minha vida. A única ressalva que o apóstolo faz, em circunstâncias desta natureza, diz respeito à presença de pessoas débeis na fé, ou seja, que não terão a compreensão da extensão da liberdade que há em Cristo, e, assim sendo, por amor a elas, e a sua fragilidade de entendimento e consciência, a abstenção deve ser praticada.

De fato, o que vejo, e isso cada vez mais, é que o povo dito de Deus não conhece nada das Escrituras, não sabe fazer uma exegese mínima dos textos bíblicos e, assim sendo, fica nas mãos de “feiticeiros do sagrado”, os quais lhe induzem, com frequência, ao erro. Por isso, tome essa análise aqui feita e a ponha em prática em sua vida. Ela tem aplicação direta para esta e muitas outras questões semelhantes.

Quando eu era solteiro, morava num bairro de Recife onde havia muitos “despachos”. Incontáveis vezes eu os destruí e, na autoridade do Nome de Jesus, desfiz o mal que eles carregavam contra outros. Como isso sempre acontecia tarde da noite, e, neste horário eu estava vindo ou da aula ou do trabalho, faminto, confesso que tive muitas vezes vontade de comer a galinha com a farofa que ali estava oferecida ao demônio! Talvez nunca o tenha feito porque não tinha nem prato nem talher para tal. Não fosse isto, o “capeta” ia era “dormir” com fome!

O que sei é que em toda a minha existência, jamais creditei nada de bom ou de ruim que me aconteceu no chão da vida aos despachos que destruí naquela esquina. E olha que eu não tinha “cobertura espiritual” para me proteger! Na verdade, poderia citar aqui uma infinidade de versículos que me “imunizam” contra qualquer mal que seja lançado contra mim ou os meus, mas vou citar apenas um: “Filhinhos, vocês são de Deus e os venceram, porque aquele que está em vocês é maior do que aquele que está no mundo.”. 1ª. Jo. 4:4.

Por isso, galinha em encruzilhada, vela preta, charuto, cachaça, farofa, despacho, macumba, maldição, mal olhado, mandinga, e o que mais vier, pra vocês, ó, tô nem aí! Fui!  

Carlos Moreira

21 agosto 2012

Não Olhe para Trás




“Não olhava para trás, porque olhar para trás era uma maneira de ficar num pedaço qualquer para partir incompleto”. Caio F. Abreu

Há duas coisas que eu julgo importantes na vida: estar sempre com os olhos no horizonte e manter os pés plantados no chão. Aprendi que olhar para o infinito mantém viva minha necessidade de sonhar, de me projetar para o inusitado em busca do novo.

Mas foi depois de algum tempo que entendi que a existência só se torna real quando as marcas de nossos pés ficam esculpidas no asfalto de nossos dias. Sim, toda existência deixa rastros, toda história tem suas trilhas, são os caminhos feitos em nós – uns construídos para dentro, em busca de quem somos, outros para fora, almejando a materialização daquilo que seremos.

No meu pragmatismo, elaborei uma dialética sobre essa questão. Ela afirma que eu devo sonhar, mas sem muita divagação; acreditar, mas sem me perder na ilusão; almejar, mas apenas aquilo que pode ser alcançado; desejar, mas de preferência o que possa fazer de mim alguém melhor. Sim, entendi que devo dar asas aos meus olhos, para que eles voem como os pássaros, mas raízes aos meus pés, de tal forma que escavem o solo e se fixem na terra quais árvores, assim terei a possibilidade de ser livre para pensar e firme para realizar.

Algo que me ajudou a formular estas percepções foi o que sucedeu com Ló no texto descrito em Gn. 19:17. Observe a citação: “...um deles disse a Ló: Fuja por amor à vida! Não olhe para trás e não pare em lugar nenhum...”.

Ló era parente de Abraão e havia saído com ele de Ur dos Caldeus na saga de encontrar Canaã, a Terra Prometida. Depois de certo tempo, eles se separaram, e Ló veio a habitar em Sodoma, uma das cinco cidades-estados do Vale de Sidim, no Mar Morto, um lugar descrito como paradisíaco.

Naquele local, Ló, sua esposa e mais duas filhas tentaram se estabelecer. Mas aquela metrópole, em especial, tinha uma série de problemas, conforme o relato de Ezequiel 16, onde Sodoma é descrita não apenas como um lugar onde a imoralidade era prevalente, mas também como um local onde imperava a ganância, a ociosidade, a arrogância e a avareza, o que caracterizava, dentre outras coisas, um desprezo pela vida.

Aparentemente, Ló tentou alertar as pessoas sobre seu modo frívolo de viver, conforme o capítulo 19 de Gênesis, onde vemos a população afirmando que ele, como um forasteiro, não podia ali se constituir juiz. Fato é, todavia, que tornou-se impossível conviver naquela sociedade sem se impregnar com seus valores e práticas. Por isso, é muito provável que parte da “cultura de Sodoma” tenha se instalado não só na consciência de Ló, mas também em sua alma. 

Por aqueles dias, dois seres espirituais visitaram Sodoma, e avisaram a Ló de que a cidade seria destruída, tamanha era a sua perversidade. O relato está descrito no texto que citei acima. A degradação social e moral de Sodoma havia chegado a um ponto tal que ela acabou sendo entregue a sua própria sorte, tendo sido destruída por uma “chuva de fogo e enxofre”, conforme o relato bíblico, talvez algo ligado a uma erupção vulcânica.

Curioso, entretanto, é o fato de Ló, mesmo tendo sido avisado de tudo o que sucederia, ainda demonstrar tanta dificuldade em sair da cidade. Bem dizer, isso só aconteceu porque os seres espirituais, literalmente, o arrastaram para fora com a família.

Há três aspectos que julgo interessantes no texto e que me remetem ao modo como as pessoas vivem em nosso tempo. O primeiro está na expressão: “Fuja por amor à vida”. Ora, a exclamação denota a dramaticidade da situação. Estava claro que aquele homem estava indeciso, inseguro, que havia amarras existenciais que o prendiam àquele lugar.

A questão, todavia, era uma só: como deixar para trás casa, mobília, trabalho e tudo o que a vida lhes proporcionou construir e acumular no período em que eles ali habitaram? Era uma cisão traumática, abrupta, não obstante, necessária.

Não raro encontro indivíduos na mesma situação. Eles estão presos a coisas, lugares, relações, patrimônio, “heranças” das mais diversas. Para se tornarem livres, precisam cindir com o passado, colocar o pé na estrada e ir, mas ficam relutando e, por vezes, “morrem em Sodoma”, presos a estacas existenciais que não podem ser removidas do chão onde a vida foi plantada.

Em segundo lugar, aparece a citação: “não olhe para trás”. A expressão tem duas conotações. Em primeiro lugar, tudo o que havia ficado ali estava por ser destruído e era mais do que certo que ver o fruto de uma vida virando “cinzas” não seria algo bom para a alma. Em segundo lugar, a proposta agora era romper com tudo e lançar-se pela fé na certeza de que Deus proveria o que fosse necessário para o restabelecimento da vida.

Desgraçadamente, contudo, tenho visto que em tais circunstâncias já se instaurou em nós uma espécie de vício psicológico que nos aprisiona ao passado e nos faz sempre olhar para trás e lamentar. É uma nostalgia pelo que já se foi, uma melancolia masoquista que para nada serve a não ser gerar feridas no coração e tristeza no ser.


Por último, aparece mais um conselho: “Não pare em lugar nenhum”. Esse era mais um desafio: caminhar até que os pés pudessem, enfim, descansar de toda fadiga da vida. Há muitas coisas atrativas quando se está caminhando, muitas das quais roubarão nosso objetivo de chegar a um lugar seguro. Nesses casos, o melhor a fazer é não perder o foco, ir até onde os campos sejam férteis e as águas ofereçam descanso.


Há situações em que não adianta apenas partir, é preciso ir o mais longe possível, afastar-se em definitivo, romper totalmente. Sim, só se deve parar quando o “lugar” for apropriado, quando as circunstâncias apontarem que ali se pode lançar alicerces, criar raiz, fincar novamente a vida no solo que permitirá que sementes sejam plantadas para que frutos sejam colhidos, frutos de graça e misericórdia.


Em minhas andanças pela vida, infelizmente, tenho visto muita gente presa à “Sodoma”. Alguns tentaram fugir do lugar onde existencialmente estavam, mas não foram longe o suficiente para reconstruir uma nova história. Há outros que, mesmo seguindo, acabaram olhando para trás e, desta forma, não conseguiram chegar ao local almejado, ficaram presos às lembranças do que foi vivido, ao que se instalou no ser como consciência prevalente, como sentimento pulsante e vício psicológico.


O que sei é que a “poeira de Sodoma” é capaz de adulterar a consciência e tornar inflexível o coração. Ela paralisa a existência, uma vez que nos torna inamovíveis para alcançar novos objetivos. Quem respira o “pó de Sodoma” não consegue discernir o todo, acaba asfixiado por sua própria cobiça, cego em meio a infrutíferas cogitações.


Carlos Moreira




01 julho 2012

Feridas Feitas pela Família




“Pois o filho despreza o pai, a filha se rebela contra a mãe, a nora, contra a sogra; os inimigos do homem são os seus próprios familiares”, Mq. 7:6

É certo que o ser humano não se desenvolve de maneira plena em suas competências emocionais, motoras e cognitivas sem a presença de uma família. Também é fato que ela é o núcleo sobre o qual a sociedade se desenvolve. Por isso, quanto mais saudável e sustentável for, melhores serão as possibilidades de constituir um povo bem-sucedido.

Contudo, não há como negar, famílias também podem se revelar “usinas” de neuroses, ambientes de agressão e desconstrução do ser, lugares que fazem a psique adoecer, casas onde a erosão relacional provoca feridas tão profundas que acabam esculpidas na alma, ficam “impressas” no indivíduo para todo o sempre. Não se enganou Lutero, o grande reformador, quando proferiu: “A família é a fonte da prosperidade e da desgraça dos povos”.

Esse texto de Miqueias foi escrito no ano 690 a.C. Vivendo as agruras de seu tempo, mergulhado em meio a uma sociedade desprovida de significados, o profeta nos expõe o mosaico da dessignificação a qual o ser humano pode chegar. Na sua leitura lúcida e realista, constata que até mesmo as relações parentais haviam perdido o seu propósito, pois o amor afastara-se, em definitivo, do coração dos homens.

Fato é que as Escrituras não camuflam os dramas vividos em família. Pelo contrário, em suas páginas encontramos, por vezes, com riqueza de detalhes, dramas dos mais diversos experienciados dentro da própria casa, os quais envolvem todos os seus atores. Nem mesmo Jesus foi poupado de viver tais circunstâncias, pois, em João 7, vemos que seus próprios irmãos sanguíneos não acreditavam nele, ainda que vissem as obras que Ele realizava.

Só para demonstrar como o tema é complexo e difícil, lembre-se que Caim matou o seu irmão Abel; os filhos de Noé zombaram do pai que havia se excedido na bebida; Ló se desentendeu com Abraão e se apartou dele; Jacó enganou o pai e roubou o irmão com a aquiescência da mãe; os irmãos de José, com ciúmes, o venderam como escravo; Dalila traiu o seu marido, Sansão, por 1.100 moedas de prata; Absalão matou seu irmão Amnom e este, por sua vez, estuprou a própria irmã; a mulher de Jó aconselhou-o a blasfemar contra Deus.

Se formos observar as leis dadas a Moisés, veremos quantas citações existem para regulamentar as conflituosas relações entre os membros de uma família. Certa estava Madre Teresa de Calcutá ao referir: “É fácil amar os que estão longe. Mas nem sempre é fácil amar os que vivem ao nosso lado”.

De fato, Miqueias fez uma leitura bastante coerente quando afirmou, a partir de sua própria percepção de mundo, que os inimigos do homem estavam em sua própria casa, dentro da família. Isso acontece porque as relações familiares são mesmo difíceis, cheias de idiossincrasias, pois, aqueles a quem mais amamos, não raro, são os que mais profundamente são capazes de nos ferir.

Quando o indivíduo nasce em um lar equilibrado, onde os relacionamentos são saudáveis, onde há respeito e amor, a vida certamente é muito mais fácil de ser vivida. Mas o que fazer quando a família a qual pertencemos é uma família doente? O que fazer quando conviver no ambiente familiar produz feridas, quando estar entre aqueles que são do nosso sangue significa ficar exposto a toda sorte de problemas, humilhações, destemperos, agressões e maus-tratos?

Há ainda outro agravante: o que fazer com as prementes advertências das Escrituras sobre o tema? Como lidar com textos tais como: Mas, se alguém não tem cuidado dos seus, e principalmente dos da sua família, negou a fé, e é pior do que o infiel”, 1ª Tm 5:8; “Filhos, obedeçam a seus pais no Senhor, pois isso é justo. Honra teu pai e tua mãe, este é o primeiro mandamento com promessa...”, Ef. 6:1-3; e finalmente: “Façam todo o possível para viver em paz com todos”, Rm. 12:18.

Bem, numa leitura rasa, simplista, sem observarmos certos contextos familiares, tudo parece muito óbvio. Porém, há casos em que a “letra” acaba sendo usada para a morte, não para a vida! O que fazer, por exemplo, com um pai que molestou durante toda a infância a filha? Ou com o marido que traiu a esposa tendo constituído outra família? Ou com a sogra que envenena o filho contra a nora? Ou com o genro que quer afastar a filha do convívio com os pais? Questões como essas nos levam a refletir o quão complexo é este cenário e como é difícil emitir qualquer parecer sobre ele.

Eu não estou dizendo aqui que nós devemos relativizar as Escrituras, que elas se aplicam a uma situação e a outra não. Mas há de considerar que existem casos que precisam ser tratados como exceção. Lembremos, por exemplo, do que disse Jesus sobre o divórcio, que ele se constituía uma concessão de Deus por causa da dureza do coração dos homens. O propósito de Deus é que o casamento seja indissolúvel, mas há situações em que o convívio conjugal torna-se insalubre ao ser. Nesses casos, lembrando Paulo, que afirma: Deus os tem chamado à paz”, é melhor apartar-se do que viver, literalmente, no inferno!

Olhando para a existência sempre me deparo com dramas familiares. Parece não haver algo que seja tão destrutivo na vida das pessoas quanto essas questões. Nessas circunstâncias o que observo é que é preciso ser cauteloso, buscando sempre tratar o assunto conforme o “espírito” do Evangelho, e não conforme o “espírito” da Lei. Certo é que cada caso é um caso, e que não devemos nos precipitar ao fazer análises legalistas que desembocam em sentenças temerárias. Por isso, nunca esqueço o que disse Shakespeare: “Todo mundo é capaz de suportar uma dor, exceto quem a sente”.

Família é coisa santa, sagrada e maravilhosa. Mas também pode ser uma tragédia na vida de muitos. No final do Velho Testamento, o profeta Malaquias adverte: “Ele fará com que os corações dos pais se voltem para seus filhos, e os corações dos filhos para seus pais; do contrário eu virei e castigarei a terra com maldição.”, Ml. 4:6. Essa sentença nos remete ao fato de que a desagregação gerada pela crise familiar produz tanta desarmonia e desgraça que aquilo que acontece no íntimo de uma casa acaba se constituindo ferida, e não paz e bem na vida.

O psicanalista francês Charles Melman, colaborador de Jacques Lacan e herdeiro de Freud, atento observador da realidade contemporânea, afirmou: “Pela primeira vez na história, a instituição familiar está desaparecendo, e as consequências são imprevisíveis. Impressiona-me que antropólogos e sociólogos não se interessem por isso”. Em suma, o que vejo é que sua percepção, mesmo não sendo ele um “homem do sagrado”, reforça ainda mais o que afirmou Malaquias, cerca de 2.500 anos atrás.   

Eu sei que família é algo que nasceu no coração de Deus, mas também não tenho como negar que, por vezes, cada vez de forma mais recorrente, ela pode produzir mais mal do que bem. Como afirmou Sartre, diante de um contexto específico: Família é como a varíola: a gente tem quando criança e fica marcado para o resto da vida”.


Se você se encontra entre os que não têm como manter vínculos familiares sadios, se sua família complica mais do que ajuda, se o convívio, por questões diversas, tornou-se insustentável, não se desespere. Tenho visto, com o passar dos anos, que Deus sempre encontra formas de conspirar a nosso favor. Assim, muitos são abençoados com “pais”, “mães”, “irmãos” e “irmãs” que são do coração, fazem parte da família da fé, surgiram em nossas vidas para suprir lacunas que ficaram em nossas almas.

Por outro lado, percebo que guardar rancor e sentimentos de amargura contra os da própria casa não resolve o problema, muito pelo contrário, quem faz estoque no ser de tais sentimentos sempre caminha carregando fardos pesados, pois o ódio faz mal a quem o retém, e não a quem dele é alvo.

Carlos Moreira



19 junho 2012

Quem Faz a Tua Cabeça?



A sociedade contemporânea é baseada em controle. Quem tem controle, tem poder. Sutilmente, o homem moderno passou a ser dominado por elementos externos sem que ele mesmo pudesse se aperceber. 



Quem manda na tua vida? Você? Tem certeza? Quem determina as tuas ações, quem influencia as tuas decisões, quem molda os teus valores e princípios? Quem, de verdade, faz a tua cabeça?


Aprenda, assistindo a esta mensagem, sobre as "forças" que operam fortemente nos influenciando e como nós podemos nos defender delas. Através do texto de Paulo aos Colossenses, vamos aprender sobre a influência de elementos do mundo natural movendo, não raro, camadas espirituais.






Carlos Moreira

14 junho 2012

“Diga o Fraco: Eu Sou Forte”



Quando lhe faltar inspiração para fazer o que tem de ser feito e você se perceber como um autômato, uma máquina de repetição, agindo sem sentido, sentindo sem paixão, diga o fraco: eu sou forte!

Quando os dias forem cinzentos, e a estação outonal chegar, quando as flores murcharem e sua beleza se for, quando as nuvens persistirem mesmo depois de todo o aguaceiro, então, diga o fraco: eu sou forte!

Quando os sonhos morrerem, quando os planos falharem, quando a existência se tornar insuportável, e seus olhos estiverem encharcados de tanta realidade, diga o fraco: eu sou forte!

Quando os amantes se forem, quando a festa acabar, se lhe for impossível sorrir, e a cortina se fechar, depois que a orquestra partir e toda música calar, não preste atenção a nada, diga o fraco: eu sou forte!

Quando o silêncio for sua companhia, e tua sombra te acompanhar mesmo à noite, quando te sentires vazio, apagado pavio, aquieta-te então, pois todo caminho caminhado é caminho de solidão, e, assim diga, o fraco: eu sou forte!

Quando a esperança se for, e a tua fé te faltar, quando o absurdo tornar-se razão, e a escuridão vier te abraçar, abre tuas velas ao vento, deixa o porto e o cais, repete contigo mesmo, diga o fraco: eu sou forte!

Quando a alegria partir, e as tuas forças faltarem, quando a doença chegar, sem cura, sem pena, sem nada a te acrescentar, entende que o tempo acabou, segue resignado, não pense em parar, lembra-te, todavia, de algo, diga o fraco: eu sou forte!

Quando os teus bens forem muitos e nada mais te faltar, mas ainda assim tua alma esvaziada ficar, quando não houver mais batalhas, e o último inimigo tombar, olha para tuas conquistas, inúteis, tão fúteis, hão de passar, não te esqueças, contudo, nem um instante, diga o fraco: eu sou forte!

Quando o pecado te arguir, quando o juízo chegar, quando o tempo se cumprir e o teu destino selar, quando não tiveres saída, nem mais a quem apelar, lembra-te que ainda és homem, só Deus pode te salvar, e assim, apele a Ele, diga o fraco: eu sou forte!

* "...diga o fraco: eu sou forte".  Joel 3:10

Carlos Moreira

 

12 junho 2012

Seja quem For, Seja Você!




É muito comum, em conversas pastorais, encontrar aqueles que se tornaram refém dos anseios e desejos de pessoas: pais, cônjuges, filhos, patrões, “amigos”. Eles afirmam que não possuem identidade, que se tornaram uma projeção de outros, um holograma material do que é imaterial e só existe como desejo reprimido, que acabaram encarnando um “personagem”, vivendo uma vida que não é deles, tudo com vistas a agradar aqueles que, sobre eles, alimentaram expectativas das mais variadas. Isso, creiam, provoca um sofrimento sem medida e um desgaste existencial sem precedentes...  

Neste contexto, encontro aquele que se casou com quem não gostava, aquela que exerce uma profissão para a qual não se sente habilitada, o que passou a assumir determinados pensamentos e comportamentos que lhes são estranhos, ou mesmo inaceitáveis, a outra que evita a polêmica, a exposição, o firmar posição, tudo em prol de jamais romper o “cordão umbilical emocional” que os torna, de certa forma, escravos psicológicos de outrem, uma vez que a consciência viciou-se em não ter sua própria “voz”. Desastrosamente, aqui temos algo que, por fim, estabelece um estado existencial em que a pessoa se torna prisioneira de um outro alguém em seu próprio ser! 

Analisando mais detalhadamente, percebi que muitas destas situações, não raro, estão associadas a questões econômicas, ao mundo competitivo em que nós vivemos, a essa sociedade movida pelo supérfluo, ao capitalismo que, segundo Bauman, estabeleceu a seguinte máxima: “consumo, logo existo”. Desta forma, em prol de manter vantagens e benesses, as pessoas acabam, às vezes sutilmente enganadas, se sujeitando ao imponderável.

É o filho que tem que assumir o próspero negócio da família, ainda que não tenha qualquer vocação para tal. É a moça que tem que agüentar situações constrangedoras e até assédio por causa do bom emprego que possui. É o cinquentão que tem de se submeter a situações vexatórias, pois, caso seja dispensado, não encontrará mais oportunidades no mercado. É o rapaz pobre, que se casou com a socialite rica, e, agora, tem de atender-lhe as demandas para poder manter privilégios. E por aí vai...

O resultado de tudo isto é o estabelecimento de uma sociedade movida a disfarces, a interesses, ao “jogo de empurra”, ao “toma lá, dá cá”, a cultura da vantagem, dos que vivem “em cima do muro”, do impessoal, do “politicamente correto”. Raramente vemos pessoas que se posicionam, que assumem riscos, que sejam firmes, que mantenham convicções e por elas estejam dispostas a ir as últimas conseqüências! Somos uma geração de homens e mulheres sem “palavra”, de caráter afrouxado, de valores relativizados, de comportamentos marionetizados. Sintetizando, como bem afirmou Groucho Marx: “esses são os meus princípios; se você não gostar deles, eu tenho outros...”. 

Quem é você? No que você acredita? Quais os disfarces que possui a sua face? Quantas pessoas existem dentro de você? São perguntas intrigantes, inquietantes. Respondê-las, inclusive, lhe expõe, faz com que seu pensamento seja conhecido, suas idéias venham à baila, sua opinião se torne pública. É perigoso demais! Para que fazer isto? Que vantagens algo desta natureza lhe trará?

Bem, reconheço que, de fato, você lucrará pouco ou quase nada se passar a fazer tais coisas ou, muito provavelmente, terá enormes problemas e dificuldades, mas, estou certo que, seja você quem for, é melhor que seja sempre você mesmo! No livro "Coragem para Mudar", utilizado no Al-Anon, encontramos “...jamais senti que pudesse ser eu mesmo perto das outras pessoas. Eu estava ocupado demais, tentando ser o que eu achava que os outros queriam que eu fosse, com medo de que eles não me aceitassem do jeito que eu era". Por isso, pense, não dói; fale, não é proibido; posicione-se, não é pecado!

Essa é justamente a questão que Jesus está tratando no texto abaixo: 
Pois veio João Batista, que jejua e não bebe vinho, e vocês dizem: ‘Ele tem demônio’. Veio o Filho do homem, comendo e bebendo, e vocês dizem: ‘Aí está um comilão e beberrão, amigo de publicanos e pecadores.’”. Lc. 7:33-34. 

É certo que o Galileu nunca sofreu crise de identidade, não se dobrava aos interesses do Sinédrio, nem de Herodes, ou do Império Romano, nem de seu ninguém! Isso porque não tinha compromissos que lhe levassem para além de sua própria consciência e fé, estava disposto apenas a obedecer ao Pai, pois, até mesmo a Escritura se tornara relativa diante dEle uma vez que, Jesus, o Cristo, veio a se constituir a única chave hermenêutica através da qual a “letra” pode ganhar sentido e significado.

Essa passagem de Lucas nos trás uma situação corriqueira. Sua análise concentra-se no fato de que João Batista, que tinha voto de nazireu, ou seja, vivia como um ermitão, comia gafanhotos, mel silvestre, vestia-se de trapos, peregrinava pelo deserto, não era casado, não bebia vinho, orava, jejuava, pregava o arrependimento, mas, ainda assim, os religiosos diziam que ele tinha demônio! Ou seja, João, segundo Jesus, havia se tornado o maior de todos os homens nascidos de mulher, contudo, não era capaz de agradar àquela multidão.

Com o Nazareno, todavia, a questão era diferente! Comia, bebia, se alegrava, sentava com pecadores, ia à casa de publicanos, conversava com meretrizes, andava com samaritanos, curava em dia de Sábado, acolhia os enfermos, libertava os endemoninhados, quebrava as tradições, fazia tudo ao contrário de João, mas ainda assim era tido como subversivo, alguém andando na contra mão do “sistema”, um “rebelde” com causa, sendo condenado do mesmo jeito, porque o que as pessoas queriam era ver um boneco, um fantoche, um profeta de “brinquedo”. Mas Jesus “quebrou a banca!”. Boa!

O que sei é que quando você não é o que é, não há mais o que se possa ser! O que sei é que toda a sua vida se resume na busca de você tentar se encontrar com você mesmo, de “tornar-se aquilo que é”, e isso tem a ver com o propósito do que Deus planejou para que você experimentasse debaixo do sol, no solo árido da existência humana, pois, ou você é em Deus, ou você já se tornou não-ser, ou seja, algo que parece que é, mas que está longe de ser...   

Carlos Moreira


Preocupados com a Vida Eterna, os Cristãos Desprezam a Vida na Terra




Acho curioso como, tão escandalosamente, a religião se contrapõe à proposta de Jesus. Enquanto o Evangelho se propõe a pacificar o coração dos homens, a religião promove o seu distanciamento; um sugere a transformação da consciência, a outra uma mudança comportamental; um trata do perdão dos pecados, a outra da realização de obras meritórias; um chama as pessoas a reconciliação com o Criador, a outra tenta convencer o Criador a aceitar as criaturas.

Não é a toa que muitos filósofos e pensadores, olhando para a história da civilização humana, mantiveram diante da religião um olhar crítico, cético e por vezes, cínico. Heinrich Heine, escritor e poeta alemão, num tom sarcástico, afirmou certa vez: “bem-vinda seja uma religião que derrama no amargo cálice da sofredora espécie humana algumas doces, soníferas gotas de ópio espiritual...” Marx, pai do socialismo científico, não economizou “tinta”, e vociferou à seu tempo: “a religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração. É o ópio do povo”. Hegel, um dos mais respeitados filósofos, pai do idealismo absoluto, apesar de ter estudado no seminário protestante de Württemberg, era outro que via a religião como alienação da essência humana.

Friedrich Engels, um dos criadores da teoria do materialismo histórico e dialético, no século XIX, fez uma avaliação bastante lúcida sobre a religião cristã ao longo do tempo. Ele afirmava que, primeiramente, a cristandade foi uma religião dos pobres, dos desterrados, dos condenados e oprimidos. Todavia, não demorou muito para, no século III, se estabelecer como ideologia estatal do Império Romano. Em seguida, já na idade média, alinhou-se perfeitamente com a hierarquia feudal européia e, logo depois, a partir da revolução industrial, já na modernidade, amalgamou-se a sociedade burguesa.

Eu penso que uma das coisas mais imprescindíveis nestes tempos difíceis que vivemos é manter um olhar analítico e crítico a respeito de nossa própria história. Nosso objetivo deve ser repensar que papel nos cabe no mundo que vivemos, na sociedade na qual estamos inseridos, com vistas a materializarmos, com ações concretas, as propostas que possam vir a ressignificar o que afirmamos ser a fé em Jesus Cristo.

Contudo e, tristemente, o que tenho visto, cada vez mais, é o entorpecimento, a alienação, a “massa manipulada”, a “teologia” do comodismo que sacrifica sobre o altar da conveniência, a substituição da singularidade da unidade pela burrificação da unanimidade. Vejo os cristãos preocupados com a vida eterna, “labutando” em busca de garantir o futuro, sonhando com o galardão prometido, enquanto a humanidade se esvazia por completo de qualquer possibilidade de encontrar na existência significados, e a Terra agoniza pela exploração de seus recursos cada vez mais escassos.

Olho as igrejas lotadas de gente, não raro, vazia, egoísta, vivendo uma espiritualidade adoecida, que olha para si mesmo, mas não é capaz de perceber o próximo. Os cristãos estão enredados com movimentos, programas, seminários, shows, cultos, atividades que são justificadas pela velha máxima: evangelizar os perdidos! Você dificilmente encontrará essa gente em passeatas que reivindiquem questões sociais importantes, ou engajadas em ONG´s e outras organizações que lutem por direitos dos menos favorecidos, ou participando de projetos que viabilizem o desenvolvimento sustentável do planeta. Não, o “negócio” dos “crentes” é buscar o sobrenatural! Deixa que o natural se acabe, se desmantele, se extinga...    

Eu cresci ouvindo chavões do tipo: “crente não se envolve com política”; “a Terra está sendo “entesourada” para o fogo eterno”; “temos de cuidar dos da família da fé”. Por isso os políticos evangélicos são os mais corruptos do Congresso Nacional, a Terra está sofrendo com "dores de parto", levada a superar todos os seus limites, e os que não fazem parte de nossa “confraria” agonizam pelas ruas, nas cracolândias da vida, nas sarjetas da existência, nos hospitais, nos presídios, nas favelas. Só de pensar tenho calafrios... "Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos; Porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber; Sendo estrangeiro, não me recolhestes; estando nu, não me vestistes; e enfermo, e na prisão, não me visitastes". Mt. 25:41-43

Nossa religião é “espiritualidade” de ocasião, com choro de encenação e contrição de momento. Tiago, em sua epístola, escrevendo para os judeus da dispersão, gente ainda impregnada pela “religião de Israel”, afirmou que essa religiosidade calcada sobre a fé, mas que não possui boas obras, para nada aproveita. Parafraseando o apóstolo, poderia perguntar: “mostra-me onde estais, com a tua fé, e eu, com o meu engajamento em questões prementes da humanidade, te mostrarei a minha!”. 

Gramsci, filósofo e cientista político italiano do século XIX, analisando na sociedade contemporânea a cultura religiosa, concluiu que ela é “a utopia mais gigante, a mais metafísica que a história jamais conheceu, desde que é a tentativa mais grandiosa de reconciliar, em forma mitológica, as reais contradições da vida histórica”. Em outras palavras, a religião é artigo de luxo, serve apenas para “anestesiar a alma”, mas tem pouca ou nenhuma utilidade para o espírito dos homens.

Enquanto a “igreja” continuar alienada entre quatro paredes, embevecida com suas próprias obras, pensando na vida no além, o mundo padecerá com “cólicas” sociais, milhões morrerão de fome, de frio, de sede, de maus tratos, gente que não poderá ser “evangelizada” porque estará enterrada numa cova rasa! Sim, enquanto ficamos apenas “orando” e “louvando” ao “senhor”, os rios estão sendo poluídos, as matas devastadas, o ar contaminado, os animais extintos, a camada de ozônio destruída. “Aleluia irmãos!”...

Com a ajuda que estamos dando ao “diabo”, ele nem precisa se ocupar em fazer o que Jesus afirmou: “matar, roubar e destruir”. Pode tirar férias e ir para Boca Raton! Minha oração nestes dias é ver menos gente “entulhada” dentro da “igreja”, ou seja, aqueles que não fazem nada, não tem compromisso com nada, e mais gente em sindicatos, OSCIP´s, organizações de direitos humanos, gente que se interesse pelo que seu candidato evangélico está fazendo, gente que vá as ruas, que proteste contra tudo o que ferir a dignidade humana, que seja “Elias” em nosso tempo, profetas que denunciem a injustiça e a maldade, e não aspirantes de feiticeiros, adivinhando o futuro dos outros. 

Se eu creio na vida eterna? Claro que sim! Se eu a espero? De todo o coração! Se estou na expectativa da volta de Jesus? Oxalá fosse hoje! Mas até que tudo isso se torne realidade para mim, tenho muito o que fazer aqui na Terra pois, parafraseando Paulo, ainda não completei a carreira para poder guardar a fé e receber a minha coroa, a qual o Justo Juiz me dará naquele dia! Sim, afirmo com toda autoridade: quem tem ouvidos ouça o que o Espírito diz a Igreja! 

Carlos Moreira

 

06 junho 2012

Ricardo Gondim: de “Herói” da Fé a Arqui-herege!





Inicialmente, quero lhe dizer que Ricardo Gondim não me conhece; eu o conheço. Sim, porque Gondim é parte da história recente do cristianismo em nosso país e do movimento evangélico, com livros publicados, participações em revistas aclamadas, congressos, simpósios, entrevistas na TV, homem de notório saber, não só do ponto de vista da teologia, mas de outras áreas do conhecimento, líder de uma denominação de expressão, articulista, dentre outras muitas habilidades que o Senhor da Igreja lhe concedeu.

Também não estou aqui para defender Gondim, até mesmo porque eu não tenho nem categoria nem “pedigree” para isso. Aliás, ele sequer precisaria de algo desta natureza: está lavado pelo Sangue do Cordeiro, justificado de suas obras, crucificado com Cristo e com Ele ressuscitado, já assentado nas regiões celestes e, com absoluta convicção, aguarda o dia do juízo para ouvir de Jesus: “vinde, entrai no Reino que vos está preparado desde a fundação do mundo... Foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei”.

Então, o que quero? Ora, eu busco entender os porquês de algumas coisas. Eu tenciono levar você há pensar um pouco e a questionar as razões de suas ações, como afirmava Nietzsch. Eu quero tentar sair desta “cortina de fumaça” que se formou em torno de Ricardo Gondim, para buscar enxergar práticas que estão em vigor hoje no mundo eclesiástico, almejo, de alguma forma, discernir que “espírito” é este que surgiu entre nós, que zeitgeist vem influenciando o "nosso ethos", o que está tornando-se “material” impregnado, tanto na mentalidade, quanto no inconsciente coletivo dos evangélicos, se é que isto é possível.

Tenho acompanhado o “drama” do Gondim... Afirmo desta forma, pois, há bem pouco tempo atrás, ele era um homem celebrado no meio evangélico, um “herói” da fé. Seus escritos e mensagens abençoavam e alcançavam milhões de pessoas dentro e fora do Brasil. Não tenho dúvidas das centenas de milhares que foram levados a Cristo pela pregação do Evangelho que foi posto em sua boca. Mas, de repente, em função de algumas falas e escritos, a despeito de tudo, desgraçadamente, ele transformou-se em arqui-herege da fé cristã. Interessante...

Eu li e assisti a todo o material que veio a baila nestes últimos tempos. Não o fiz apenas nos blogs na internet, mas, sobretudo, entrei no site de Gondim e desci as “profundezas” de seus pensamentos e ensinamentos, de tal forma que evitasse texto sem contexto, exegese de ocasião, sensacionalismo, e outros recursos mais que, penso, foram usados neste e em outros casos.

Li também e, de forma cuidadosa, analisei, sem “sentimentos” ou inclinações, as articulações dos apologetas sobre Gondim. Diante de todo este cenário, valendo-me da posição que hoje me cabe, como editor assistente do Genizah, com 30 anos de caminhada com Jesus, 10 dos quais como pastor, com formação em teologia e filosofia, com centenas de artigos e mensagens publicados em revistas e blogs, penso que, ao menos, também ganhei o direito de ser ouvido por alguns instantes, ainda que esteja “remando contra a maré”...   

Minha fala carrega algumas preocupações...

Em primeiro lugar, preocupa-me como, tão repentinamente, um homem com notórios “serviços” prestados ao Senhor da História, da Vida e da Igreja, tenha se transformado em alguém tão execrado. Como bem afirmou Cáio Fábio – outro que já viveu algo de natureza semelhante, ainda que por questões totalmente diferentes – “a igreja é o único exército que mata os seus feridos”. O homem vem pregando e falando a mesma coisa há décadas e, de repente, por começar a pensar em outras possibilidades e analisar outras “rotas”, tudo o que fez, toda sua história, sua reputação, construída com lágrimas e muito trabalho, foi para o “beleléu”, pois, agora, sentenciado pela multidão que grita “crucifica-o”, ele se “converteu” em inimigo da fé.

Parece-me, grosso modo, que o que se quer é ver o “circo pegar fogo”! Nós perdemos o respeito pelos nossos líderes, somos uma geração sem referências, sem influências, sem heróis. Joga-se no lixo tudo o que um homem fez em sua vida porque ele não está seguindo a risca, para usar uma fala do próprio Gondim, o “evangelho” segundo os santos evangélicos! Pouquíssimos tem, ao menos uma ideia, do "preço" que um homem deste paga para chegar onde chegou. É um custo de vida, aliás, é quase não ter vida, mas vamos "jogar pedra na Geni!", e de forma, não raro, irresponsável. Gondim caiu em desgraça porque ousou pensar diferente, mas cometeu o pior de todos os pecados: tornou isso público! 

Em segundo lugar, preocupa-me a grave crise que vivemos, pois ela é crise de pensamento, é a substituição da intuição pela dogmatização, do questionamento pelo fundamentalismo, da liberdade de expressão pela tirania da letra. Onde os cristãos imaginam que vão parar isolando-se cada vez mais do “mundo”? Como poderá a teologia sobreviver nos dias atuais separada do resto do pensamento e do conhecimento humano? Será que ninguém vê que o mundo mudou? Quem tem coragem e ousadia de articular a ponte que leve a fé ao diálogo com os outros saberes, que a liberte da prisão a qual a "instituição" a remeteu? Gondim vem tentando fazer isso e olha no que deu!? Como bem citou João Alexandre, em uma de suas maravilhosas canções: “é proibido pensar!”. Estou certo: é mesmo...

Estamos vivendo em meio a uma geração movida à repetição, que “segue mapas”. Ainda nos encontramos presos ao século XIX, não ousamos, não avançamos, não dialogamos com os outros, não nos abrimos à reflexão, a auto-análise, não ouvimos críticas, achamos que a teologia é algo que está acima do bem e do mal, somos tão ufanistas que sequer cogitamos que podemos estar equivocados. Estamos debaixo da tirania de Procusto, normatizados pela instituição perversa, nossas consciências se cauterizaram pela pregação de uma mensagem que nada mais tem de Evangelho. Tristemente tornamo-nos a “igreja playmobil”: somos todos iguais, falamos todos iguais, pensamos todos iguais, vestimos todos iguais, cremos todos iguais! 

Em terceiro lugar, preocupa-me o fato de que muitos dos que fizeram análises e avaliações das falas e textos de Gondim sequer têm preparo para sentar com ele numa mesa e conversar, cinco minutos que seja, sobre os temas "malditos". A grande maioria dos líderes e pastores que o detratam são rasos, possuem um conhecimento de "epiderme", nunca investiram nem no estudo das Escrituras nem em estudos de outros campos do saber. Estes, jamais topariam um debate com o Gondim em rede nacional, pois, certamente, ficariam desconfortáveis e, provavelmente, sem argumentos consistentes para refutar pensamos e ideias. Boa parte dos textos “apologéticos” que li fazem “recortes pinçados” daquilo que Gondim afirma, uma espécie de edição via fotoshop, numa clara demonstração de que a análise é, no mínimo, tendenciosa. É a velha práxis de “coar o mosquito” enquanto se engole o “tiranossauro-nosso-de-cada-dia”. 

Apesar de não concordar com alguns pensamentos de Gondim, em nada ele me escandalizou. Pensar diferente não ofende, abre "sendas" para um olhar novo sobre questões antigas. Isso não desconstrói minhas convicções, pelo contrário, por vezes ajuda a sedimentá-las!  Sei que este homem agiu com retidão, abriu o coração, sei de sua seriedade e serenidade ao tratar dos assuntos do Reino, pois, mesmo sem o conhecer, conheço o seu legado e tenho convicção que ele próprio não poderia negar aquilo que passou toda a vida crendo. Seu pensamento avança ainda que, talvez, por terrenos eventualmente “pantanosos”, mas certamente rumo a um platô que lhe ponha firme sobre a Eterna Rocha que, uma vez posta, sendo a Pedra Angular, jamais poderá ser removida: Cristo, Jesus.

Em quarto lugar, preocupa-me a igreja evangélica não está aberta a nenhum tipo de conversação que vá para além da ortodoxia e, em alguns casos, para além do fundamentalismo já posto. Aqui vão me dizer que as “Escrituras são nossa única regra de prática e fé”, e eu assim também creio, mas não me sinto “amarrado” ao ponto de não usar da liberdade que disponho em Cristo para pensar, para fazer conjecturas, para teologizar, como tantos outros fizeram antes de mim, pois nossas crenças estão, usando um conceito de Foucault, sobre “camadas de saber” que foram construídas por outros, desde os Pais da Igreja até os pensadores – teólogos e filósofos – dos nossos dias.

Ora, nós somos o “produto” do pensamento de muitas gerações, de homens e mulheres que, ao seu tempo, ousaram, com aqueles que com eles estavam, refletir, pensar, questionar. Ninguém irá ao “inferno” de fogo por assim agir, isso eu lhes garanto... Toda teologia é temporal e antropológica, produto do tempo, da cultura, da sociedade e do homem em um determinado momento histórico. Mas as igrejas hoje querem apenas seguir a cartilha de sua denominação, pois nelas é pecado mortal pensar de forma diferente ou se abrir a novos saberes. Continuam dizendo que “Jesus é a solução”, mas não têm a mínima idéia do que o mundo está hoje questionando...

Em quinto e último lugar preocupa-me o destino do cristianismo como religião institucionalizada. Quando vejo alguns homens que jugo serem pessoas sérias, coerentes, pensantes, representativas e, sobretudo, gente de Deus abandonando o que aí está posto, quando ouço, por exemplo, um Leonardo Boff falar que o cristianismo deveria se aproximar mais da existência, ou um Cáio Fábio afirmar que hoje vivemos a perversão do Evangelho de Jesus, ou um Gondim romper com o movimento evangélico, fico contando o que sobrou e, sinceramente, assusta-me o que parece nos reservar o futuro! Acho que Deus terá de levantar as "pedras" para pregar, pois faltarão pregadores. Ou então vamos ficar com os estelionatários que aí estão, na TV, no rádio, gente tão perversa que aqui não cabe nem nominar.

Não estou preocupado com a Igreja de Jesus, pois esta sempre estará lutando contra as hostes do mal, defendendo “a fé que foi entregue uma vez por todas aos santos”, pregando a sã doutrina, amparando os caídos da existência, servindo a Deus com coração pacificado, adorando-o com todo ardor e amor, aguardando com ansiedade a volta de Jesus! Todavia, esta igreja invisível e católica – Universal  de Cristo, está inserida dentro das milhares de ramificações do cristianismo, pois é fato que existe uma igreja dentro da "igreja" e só o "Cabeça do Corpo", que a tudo vê, pode discernir quem é "joio" e quem é "trigo". E assim, como partícipe da religião institucionalizada, angustio-me com seus rumos, temo pelos dias vindouros, desencanto-me com suas posturas, percebo sua grave crise, sua "septicemia intelectual", sua falência múltipla em termos de prática e fé.

Bem, tudo dito, agora é só aguardar as PEDRADAS... (risos). Mas quem escreve aqui deve estar sempre preparado. Como de costume, não responderei as críticas, não é falta de respeito, mas de disponibilidade. Isso toma o pequeno espaço de tempo de postar novo artigo para abençoar meia dúzia dos que precisam. Ao Gondim, meu mano querido na fé em Jesus, desejo que seu coração seja inundado de paz e misericórdia, que ele fuja de toda raiz de amargura que esta “saraivada de golpes” pode vir a provocar, que se entregue ao Justo Juiz e sinta-se consolado por seus antecessores, uma grande “nuvem de testemunhas”, os quais foram perseguidos, mortos, torturados, serrados ao meio, caluniados, destratados, injuriados, “homens dos quais o mundo não era digno”, conforme Hebreus, capítulo 11. 

Termino este texto desejando encontrar corações quebrantados e espíritos humildes para entender o que está exposto, que não distorçam as afirmações aqui feitas, pois sou responsável pelo que escrevo, mas não pelo que entendem... Contudo, depois de ler o artigo da Bráulia e ver os comentários tenho poucas esperanças... (risos). Que Deus nos guie a Sua vontade e ao temor do Seu nome. Quanto a você, Gondim, caso leia estas linhas, sei que  sabe que é privilégio sofrer pela causa do Evangelho e pelo nome de Jesus, ainda que muitos não vejam que o que está acontecendo se encaixe neste contexto... Parafraseando-o, então, concluso dizendo:  Soli Deo Gloria!


Carlos Moreira


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