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07 outubro 2010

Torre de Papel

Um túmulo basta agora àquele para quem não bastava o mundo inteiro”. Esta é a frase que está escrita no epitáfio de Alexandre III, Rei da Macedônia, dominador do  mundo, imortalizado pela história como “Alexandre o Grande”. 

O monarca, nascido em356 A.C., foi educado pelo filósofo Aristóteles, que lhe ensinou variadas disciplinas como retórica, política, ciências físicas e naturais, medicina, geografia, além de história grega. As conquistas de Alexandre são notáveis, pois ele era um homem profundamente obstinado, nada parecia lhe saciar o apetite. Dominou a Grécia, derrotou o império Persa e tomou o Egito.

Por fim, partiu para a conquista definitiva do oriente, tentando invadir a Índia. Todavia, com suas tropas cansadas de tantos anos de batalhas, decidiu regressar à Pérsia, numa viagem penosa na qual foi acometido de uma febre desconhecida que o levou a morte com apenas 33 anos de idade. O império que com tanto esforço edificou, começou a desmoronar, pois, só um homem com suas qualidades poderia governar território tão amplo e complexo, mesclado por povos e culturas tão diferentes.

Ambição é o desejo que o ser humano possui por algo grande e que planeja conquistar, muitas vezes não se importando, para atingir seu objetivo, em prejudicar a outros. O combustível da ambição é a ganancia, um desejo genérico de coisas grandiosas, como fortuna, glória, honrarias e poder. Segundo Edward Bach, “a ambição é uma negação da liberdade de toda alma. Ao invés de reconhecer que cada um de nós existe para desenvolver livremente suas próprias diretrizes, a personalidade ambiciosa deseja ditar, moldar e comandar, tentando, assim, usurpar o poder do Criador”.

Diante de prerrogativas tão poderosas, surge a questão: como sobreviver, no mundo em que vivemos, sem ter ambição? James Champy, autor do Livro “O Arco da Ambição”, afirma que “em nossa sociedade precisamos de pessoas ambiciosas, gente impelida por um poderoso desejo de mudar as coisas à sua volta e também o seu próprio destino”. Este mesmo paradigma está presente no mercado de trabalho. Empresas precisam encontrar pessoas capazes de gerar resultados, correr riscos, gente que coloque a carreira em primeiro lugar na vida e que, para atingir o sucesso profissional, esteja disposta a fazer qualquer sacrifício.

Vivemos dias muito difíceis no cristianismo. A infiltração da teologia da prosperidade no meio evangélico mudou o eixo de significação de vários pressupostos da fé e criou uma geração de pessoas dispostas a vencer no mundo, e não a vencer o mundo, como queria Jesus. Este novo contingente de crentes traduz-se numa repaginação das teses do sociólogo alemão Max Weber segundo a qual os calvinistas buscavam no sucesso econômico a evidência de sua eleição divina.

A Bíblia Sagrada, no episódio novelesco da Torre de Babel, mostra-nos, numa cultura tão distante e num mundo tão diferente do nosso, até onde pode ir à ambição humana. Ela conta-nos que em tempos remotos, num vale da Mesopotâmia, os clãs dos descendentes dos filhos de Noé – Sem, Cam e Jafé, em sua marcha para o Oriente, haviam, enfim, encontrado uma terra para se fixar. O lugar ao qual haviam chegado era a planície de Sinear, onde hoje é o Iraque. Noé e sua família traziam impregnada na memória a destruição causada pelo dilúvio, pois tinham sido testemunhas da grande destruição que sobreveio sobre os seres viventes em conseqüência do juízo de Deus. No mundo que havia sido destruído, o amor se afastara em definitivo do caminho dos humanos e a maldade, de todas as formas e meios, imperava absoluta.

Pois bem, eis aqui, diante dos olhos, estava a chance de um novo começo! Eis a possibilidade de escrever novos mapas, novas trilhas, de fazer projetos diferentes, de eleger outras prioridades para a vida, de semear valores e verdades no ser, de alimentar o coração de sonhos e de esperança. Quem não gostaria de uma oportunidade como essa? Diga-me com sinceridade, quem desprezaria isto?

O que passou, passou. Os erros cometidos podem ser concertados. As mágoas podem ser perdoadas. Os medos podem ser superados. As dores podem ser amenizadas. Agora, tudo pode ser feito de forma diferente! Mas não foi assim que aconteceu... Montesquieu diz: “Um homem não é infeliz porque tem ambições, mas porque elas o devoram”. Não era suficiente reconstruir a vida de forma simples e boa. Não era suficiente rever a existência, os valores, as escolhas, as prioridades e dar aos dias uma nova significação. Não bastava o coração pacificado e agradecido por tão grande salvação. Não, eles queriam mais. Eles queriam mais...

Foram em busca de saciar um tipo de apetite que só pode ser saciado pela morte, pois a boca dos ambiciosos só fica cheia com a terra da sepultura. Não bastava construir uma aldeia, com casas singelas, eles queriam uma cidade. Mas não bastava uma cidade, com sua agitação e efervescência própria, eles queriam nela uma torre. Sim, uma torre que os elevasse acima das nuvens. Mas não uma torre qualquer, mesmo que ela subisse além de toda altura possível ou imaginável, eles queriam uma torre que fosse até o céu, quem sabe, para sentarem-se junto ao Todo-Poderoso, ser como Deus.

Construíram uma torre, Babel, mas era apenas uma torre de papel. Diz o pensador que nada tem quem nada lhe basta. Eles queriam mais... Queriam escrever seus nomes na história, queriam notabilizar-se como empreendedores de uma obra única, inovadora, queriam empreender, ir aonde ninguém ainda havia ido. Os homens e seus sonhos de grandeza e poder... 

E você meu amigo(a)? O que você quer? O que tem buscado? Como ocupa os seus dias? No que está firmado teu coração? Qual é o teu maior compromisso na terra? O que você persegue? Quem sabe, talvez, você também esteja construindo “torres”. Quem sabe você está em busca de ter o nome reconhecido, ser capa da revista da empresa, ser entrevistado num jornal de grande circulação. Quem sabe você quer marcar a história com feitos notáveis, quer chegar ao topo da pirâmide, quer ir aonde ninguém ainda foi, ganhar dinheiro com alguma invenção, ser o criador de um novo negócio, um novo produto, escrever seu nome na história. Quem sabe??...

Sim, talvez você esteja nesta empreitada da vida, afadigado, atarefado, planejando, empreendendo, construindo. Sua “Babel” está em plena execução e, para torná-la real, nada mais lhe importa: família, amigos, nem mesmo Deus encontra tempo em sua agenda ocupadíssima. Tenho apenas uma coisa a lhe dizer, e digo-lhe porque já estive no “pináculo do templo”, transformando “pedras em pães. Sim, eu já fui workaholick – viciado em trabalho – profissional e de igreja – e o resultado foi desastroso. Perdi quase tudo o que tinha; perdi dinheiro, minha alma e minha fé. Apenas minha mulher me fez uma concessão de ficar comigo, caso as coisas mudassem. Não fosse isso, teria perdido também a família. Cuidado, amigo(a), para sua torre de “Babel” não se transformar numa torre de papel!

Cuidado, eu lhe digo, pois o desejo de construir uma vida boa e confortável é muitas vezes separado por uma tênue linha que nos revela, do outro lado da moeda, a escravidão que pode ser produzida pela compulsão desenfreada por conquistas megalomaníacas. Os filhos de Noé e seus descendentes não estavam satisfeitos com suas vidas. Queriam mais... E Deus percebeu tudo isso... Viu que os humanos não querem ser, mas ter, estavam alimentando o coração de ambições, não de verdades, queriam chegar até a “porta de deus”, que é a tradução do nome Babel.

De fato, eles queriam penetrar na morada do Todo-Poderoso, quebrar o limite entre o humano e o divino, o profano e o sagrado, a Terra e o Céu. Já não era a divindade que descera a Terra, agora, o próprio ser humano invadiria o Céu, e tudo graças à obra de suas mãos. Eu penso que é legítimo que nós possamos encontrar uma “planície” e nela nos estabelecer. Todos precisam achar esse platô na existência, esse chão, e Deus se agrada disso. Mas daí a construir “torres” há um abismo enorme.

Finalizo com o pensamento de Nietzche quando ele afirma que “um homem que aspira a coisas grandes considera todo aquele que encontra no seu caminho, ou como meio, ou como impedimento”. O Deus a quem sirvo nasceu numa manjedoura, não tinha onde reclinar a cabeça, morreu pobre e não deixou herança. No seu currículo de realizações apenas semeou o bem, amou pessoas, serviu transeuntes, acolheu desgraçados, deu-se em prol de muitos, entregou-se a si mesmo para que, na morte do “grão”, pudesse germinar vida, paz, reconciliação e esperança. Eis aí uma grande ambição...

Carlos Moreira

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