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Jesus dizia a todos: "Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome diariamente a sua cruz e siga-me. Lucas 9:23.

29 setembro 2010

A Igreja e o Trem Fantasma

Quando eu era criança, lembro de ter olhado muitas vezes para aquela “casa mal-assombrada”, de onde um trenzinho entrava com gente eufórica e saía com a mesma moçada apavorada, mas sempre tive medo de me aproximar, pois não sabia o que iria ver, ouvir ou sentir ali dentro. Andar num trem fantasma foi uma das poucas coisas que eu quis fazer quando era pequeno, e não fiz...

Já adolescente, de férias no Rio de Janeiro, fui certo dia a um parque de diversões e me deparei com a “casinha dos horrores” – o trem fantasma. Era a grande chance, à hora da virada! Meu desejo de entrar foi tamanho que eu não me apercebi nem de outros brinquedos muito mais legais. Corri para a fila, comprei o ingresso e fiquei esperando a minha vez chegar.

Não demorou muito e o tão esperado momento aconteceu. Sentei-me sozinho no “vagão” que era feito para duas pessoas. Na minha frente e por trás de mim a meninada gritava com todo entusiasmo, um barulho frenético e ensurdecedor. De repente, um apito anunciou o início da aventura. Durante mais ou menos dois minutos fui submetido a um impressionante espetáculo de horror. Tinha de tudo: múmia em sarcófago, o conde Drácula, lobisomem, morto saindo de caixão, mulheres se arrastando num pântano, gente devorando restos humanos, uma desgraceira sem precedentes!

Por fim, veio o final do trajeto, e o trenzinho, envolto em uma nuvem de fumaça, saiu da casa e parou na “estação”. Como era de se esperar, as reações foram as mais diversas. Pouquíssimas pessoas estavam com ar tranqüilo ou mesmo sorrindo. A grande totalidade era composta de crianças chorando, adolescentes gritando, meninas em polvorosa e até adultos com cara de horror. Eu, todavia, e de forma surpreendente, sentia-me profundamente frustrado, inerte, quase sem sensações.

Analisando o fato depois, não sei se minha decepção veio por ter perdido tanto tempo com medo de algo tão infantil, ou porque havia saído quase da mesma forma como tinha entrado. Dizer que não foi legal, seria exagero, mas, de certa forma, foi brochante, e a razão era uma só: eu sabia que tudo ali era apenas ilusão, simulação, representação. Nada era, de fato, real.

Pois bem, pensando nesta experiência, e analisando o que tenho visto durante estes mais de 30 anos no dito “mundo eclesiástico”, cheguei à triste conclusão: a “igreja” dos nossos dias é muito parecida com um trem fantasma. Aliás, em alguns casos, a “igreja” apresenta um “espetáculo” muito mais pavoroso!

Para tentar comprovar minha “tese”, vou dividir as “igrejas” em três tipos distintos. Faço, obviamente, uma ressalva: nem todas as comunidades são iguais, e nem todas possuem as características que aqui irei descrever. Generalizações são, quase sempre, injustas, mas, no caso em questão, há de se pensar... Contudo e, graças a Deus, sempre existirão as exceções. Triste, todavia, é saber que o que deveria ser regra, em nosso tempo, é apenas evento extra-ordinário.

O primeiro tipo de “igreja-trem-fantasma” que quero descrever é aquela em que o sujeito entra e sai sem que nada, absolutamente nada, lhe aconteça. Tudo o que ali se passou, naquelas 2 horas de “culto” – em média – não lhe trouxe qualquer proveito, não lhe provocou nenhum tipo de sensação. Nem lhe impressionou positivamente, nem lhe chocou; nem produziu emoção, nem desprezo; simplesmente, passou de forma incólume. Nos casos mais extremos, o sujeito olha para o que ali se fez e acha que o “roteiro” é sempre demasiadamente infantilizado. Mas, empurrado pela mesmice, vai levando...

Este tipo de “igreja” produz um “cristão” alienado, robotizado, mecanizado, sem emoção ou sensações. Ele vai ao “culto” porque este ato já faz parte de sua rotina sócio-religiosa, a qual ele repete a cada domingo. Nesse ambiente “insosso”, onde a liturgia venceu a espontaneidade, a adoração deu lugar a um recital musical, e a mensagem trata dos heróis da fé ou de temas profundos da teologia sistemática, o sujeito acaba ficando confortavelmente anestesiado. Ele assiste a tudo, mas como se não lhe dissesse respeito, uma vez que nada do que ali é feito lhe acrescenta conteúdos a alma ou sensações ao coração e por isso, não pode gerar nenhuma concretude espiritual.

O segundo tipo de “igreja-trem-fantasma” é aquela voltada ao “espetáculo”. Você já nota a “coisa” logo na entrada! O “negócio” é por todo mundo em movimento, ninguém pode ficar parado. O “louvor” é uma aula de aeróbica – dança, pula, é um suadouro sem fim. A liturgia é mínima, simples, pois o “melhor” do culto ainda está por vir: a mensagem! O pregador é o rei da homilética. Voz empostada, alternância de intensidade, citações de pensadores, faz uma mensagem perfeita – rápida e objetiva – para não cansar os ouvintes. Os temas são sempre superficiais, para que ninguém saia chocado ou magoado. O importante é deixar a “platéia” feliz, pois, assim, ela voltará novamente no próximo domingo.

Este tipo de “igreja”, servindo-me de um termo utilizado pelo bispo Hermes Fernandes, é uma “igreja” sonâmbula, ou seja, tem muito movimento e pouca consciência. Ela produz um “cristão” alienado que, mesmo ouvindo verdades espirituais, sai dali para viver a vida como bem entende. Nada do que aconteceu lhe impacta para além do final do culto, pois, na segunda feira, ele voltará a viver como sempre viveu. Assim, tudo ali não passou de fantasia, de ilusão, coisa para entreter a alma, mas jamais para mudar o caráter, ressignificar a consciência ou despetrificar o coração, o que levaria a materialização de ações que fossem dignas do “arrependimento”. 

O terceiro tipo de “igreja-trem-fantasma” é aquela que promove um verdadeiro show de horrores! Nestas é possível ver de tudo, inclusive exorcismo do tipo mais bizarro possível, com entrevista com o “capeta” ao vivo e a cores. Visões extravagantes também são comuns – de anjos e outros “bichos”... Este tipo de “culto” valoriza os excessos, a gritaria, os chavões repetidos sem qualquer entendimento, a catarse emocional. O sujeito entra arrumado, sai descabelado, e ainda diz: o “culto” foi uma “benção”! Todo este misancenio, contudo, é intercalado com orações espalhafatosas – para produzir “derramamentos” e “milagres”, pedidos inflamados de dinheiro – de forma abusiva, manipulatória e indiscriminada, e testemunhos de curas e de feitos extraordinários – realizados após a filiação a “igreja”, ao cumprimento das etapas de certas “campanhas”, ou do acerto financeiro de contas com o “sagrado”.

Esta “igreja” é a que tem produzido o pior tipo de “cristão”. Trata-se de um ser de conluios com a “divindade”, alguém movido a barganhas com o “todo-poderoso” – dá cá que eu dou lá. Este tipo de ambiente produz apenas uma espiritualidade sincrética, a qual adiciona a fé “evangélica”, práticas de religiões afro-brasileiras, do espiritismo e até do candomblé. As pessoas que estão ali, em sua grande maioria, buscam apenas solução para seus problemas. Elas bem que poderiam estar na macumba, ou na feitiçaria, desde que o resultado final almejado pudesse ser “alcançado”. É a religião da “prosperidade”, aquela que antecipa o céu na terra, que retira a cruz, a humildade e a abnegação do Caminho, e coloca em seu lugar a riqueza, a saúde e a felicidade.

É triste assistir a tudo isto... Um “trem” com três “vagões” – uma “igreja” com três faces: a da tradição e da inércia, que produz anestesiamento existencial; a do show “pirotécnico” e das conveniências, que agrada o “público”, mas não produz transformação de vida; e a da extravagância e dos horrores, que gera adoecimento emocional e empobrecimento espiritual.

Se minha filha Gabriela, hoje com 8 anos, quiser ir passear no trem fantasma, vou junto com ela. Mas se me chamarem para entrar num “trem” que pare em qualquer uma destas “estações” que citei acima, digo-lhes sem pudores: “tô fora”! Na verdade, o único trem que hoje eu gostaria de pegar era o “Trem Azul”, aquele da canção do Lô Borges, que lhe permite fazer a viagem com o sol na cabeça, a brisa no rosto e a paz no coração. O mais meu mano, é coisa de doido... Pense nisto...

Carlos Moreira

19 setembro 2010

Essência e Existência: Uma Dialética Possível

Quando o filósofo existencialista Jean Paul Sartre faleceu, em 1980, os jornais da França estamparam a manchete: “A França Perdeu sua Consciência”. Sartre foi, sem dúvida, um dos principais filósofos do nosso tempo. Ele criou um estilo inconfundível, pois, distanciando-se do academicismo, entrou na existência cotidiana através de personagens de romances, poesias e peças teatrais.

Expoente do existencialismo, corrente filosófica que afirma que o significado do ser humano pode ser apenas encontrado no ser existente em si mesmo, Sartre deixou como contribuição principal a idéia de que a identidade de uma pessoa não está em sua natureza, pois existir é fazer-se, é tornar-se aquilo que é.

O surgimento do existencialismo trouxe como conseqüência imediata a ruptura com a metafísica essencialista, que durante muitos séculos, dos gregos até Hegel, estudou e afirmou a essência humana – o homem é imagem e semelhança de Deus – deixando sua existência cotidiana ignorada. E foi assim, sob esta tese, partindo de Agostinho, que o cristianismo ocidental se estabeleceu.

Como era de se esperar, o choque entre estas duas correntes aprofundou ainda mais a dicotomia já existente entre essência e existência, pois muitas das doutrinas cristãs são um sincretismo do neo-platonismo com o cartesianismo e o “produto” final gerado é uma metafísica onde o material e o espiritual jamais se coadunam, pois são irreconciliáveis.

É por isso que em nossas “teologias encarnadas” encontramos tanta separação entre “coisas do mundo” e “coisas espirituais”, como se o nosso ser fosse feito de dois pedaços incomunicáveis. No nosso universo vivencial, é comum nos depararmos com conceitos tais como: “música do mundo” e música gospel; arte sacra e arte “profana”; literatura devocional e literatura existencial; vida secular e vida religiosa; e por ai vai...   

O grande problema de tudo isto é que no mundo moderno não dá mais para sustentar este tipo de proposição e por uma questão muito simples: nossa sociedade vive sob a cultura da globalização, das tecnologias interconectáveis, do saber interdisciplinarizado, dos textos plurisignificados, ou seja, toda compartimentação, todo isolamento, todo hiato torna-se obsolescente e perde imediatamente sua razão de ser.

A conseqüência disso é que nós cristãos estamos ficando isolados do mundo que nos cerca, não só das realidades existenciais, mas, principalmente, das pessoas. Nossa doutrina é um ensinamento desarticulado, carente de uma ressignificação hermenêutica; nossa linguagem é “gíria de gueto”, cheia de chavões; nossos dogmas são muros intransponíveis, e porque não dizer, insustentáveis; nossas igrejas tornaram-se ambientes fechados, “escolas de profetas”; nosso comportamento é caricaturado, normatizado, um código de conduta inspirado no método de Procusto.  

Por isso, não é sem motivo que a grande maioria das pessoas hoje é refratária a Igreja e ao cristianismo. A explicação, dentre outras coisas, está no fato de que nós nos tornamos seres de outro planeta! E pior do que isto: nem mesmo o que afirmamos como mensagem se materializa como fé e prática em nossa vida. Somos muito mais performáticos do que autênticos. Parecemos, mas não somos de verdade. Amargamos existir para fora como um embuste, uma fraude.

Ora, o que você imagina que este tipo de “espiritualidade”, baseada no trinômio – mente cauterizada, coração impermeável e alma esvaziada, pode produzir? Eu lhe digo: uma consciência que não se ressignifica pelos valores do Evangelho, e por isso nem é transformada nem pode produzir transformação; um coração endurecido e brutalizado por todos os matizes da sociedade de consumo, incapaz de perceber o planeta ou de se solidarizar com a humanidade e, finamente, uma alma confortavelmente anestesiada por antidepressivos e ansiolíticos, paliativos alternativos que nos ajudam a suportar não só as pressões e contradições que experimentamos, mas também nossa total incapacidade de encontrar propósito e significação no chão da vida.

Todos os dias encontro pessoas desejosas de construir uma fé centrada, articulada, instigante, que produza um viver sustentável. Elas querem ter uma experiência com o transcendente a partir do imante. Mas, desgraçadamente, do jeito que está hoje, o cristianismo não lhes serve como opção neste propósito, pois não é capaz, sequer, de lhes chamar a atenção. Sobrará, então, como opção “religiosa”, abraçar as filosofias e crenças orientais ou as doutrinas espiritualistas.   

Chega de tanta radicalidade! Chega de tantos paradigmas! Eu acredito que essência e existência são coisas que caminham juntas e que podem ser conciliadas para corroborar na construção de um ser humano melhor. A transformação da consciência produz uma nova matriz existencial e a caminhada cotidiana, as experiências vividas e processadas, retroalimentam e renovam a consciência.

Veja se não foi justamente isso, olhando para as Escrituras, que Jesus afirmou: “vinho novo em odres novos”. Vinho novo tem a ver com os valores do Evangelho e as verdades do Reino de Deus, os quais são capazes de reconstruir a consciência. Odres novos são pessoas, tem a ver com o novo caminho existencial que cada um deverá encarnar para que a fé se materialize nas dinâmicas de cada dia.

Meu sonho, neste momento difícil, é que o cristianismo seja menos verborrágico e encontre a coragem de fazer uma reflexão crítica sobre seus pressupostos: proposições teológicas, crenças dogmáticas, sistemas eclesiológicos, práticas sacramentais e sistematizações litúrgicas. Ignorar isto é correr sério risco de falência múltipla, pois apenas se estará perpetuando – até quando? Não se sabe – a agonia provocada pelo que já se tornou uma infecção generalizada.  

Agora, se quisermos mesmo mudar, que sirva-nos de inspiração a famosa frase de Soren Kierkegaard, filósofo dinamarquês em sua reflexão: “quanto mais eu penso, menos eu sou”. “Traduzindo em miúdos”: a existência vivida é muito mais rica que a existência pensada. É hora de agir, não de falar!

Solo Christus!

Carlos Moreira

12 setembro 2010

Quando Deus quer é Assim!


Paul Jackson Pollock (1912-1956) foi um pintor americano que se tornou referência mundial no movimento do expressionismo abstrato. Como sugere o próprio nome, esta forma de arte não representa imagens reconhecíveis, pois a ênfase do trabalho está concentrada no ato físico de pintar e tem como inspiração as percepções existenciais do artista, sua força inconsciente interior.

Contemplar o trabalho de um pintor expressionista abstrato é deparar-se com o inusitado, o singular. É justamente por isso que o estilo tanto me fascina, pois oferece-me a possibilidade de perceber a obra a “minha maneira”, da forma como, naquele instante, ela se me apresentou. Outra pessoa, munida de “diferentes percepções”, poderá observá-la de uma perspectiva totalmente diferente, tendo assim outras impressões e emoções.

Pois bem, esta semana eu tive uma experiência e para poder explicá-la vou me utilizar deste tema do expressionismo como alegoria. Já era tarde, passava da meia noite, quando eu e minha esposa, voltando da casa de um casal amigo, paramos no semáforo e nos deparamos com um Fusca, acho que da década de 1970, não sei precisar o ano.

Aquele, de fato, não era um carro comum. Poderia até dizer que parecia uma obra de arte às avessas! Olhei atentamente e não acreditei no que estava vendo. Um desmantelo sem precedentes! O “fusquinha” estava tão sujo que parecia ter saído de um manguezal. Seus pára-lamas estavam amassados e enferrujados e os pára-choques empenados. Os pneus eram “carecas”, o chassi estava deslocado da lataria e, para fechar com “chave de ouro”, só metade da parte elétrica funcionava, a do lado direito do carro. 

Não deu para ver o interior, mas pela amostra do que estava visível, eu pude imaginar... Minha última surpresa, todavia, ainda estava por vir. Quando o semáforo abriu e o fusca deu partida, a luz do meu carro refletida em sua traseira me permitiu contemplar um enorme adesivo no vidro que tinha os seguintes dizeres: “QUANDO DEUS QUER É ASSIM!”.

Aí eu pensei comigo: será? E fiquei na dúvida... Por quê? Ora, porque eu sei que a “interpretação” da frase depende dos conteúdos que cada um de nós possui acerca do que seja a vontade de Deus. É sobre esta consciência que o discernimento se constrói. É como uma pintura expressionista, onde o que eu percebo, a partir de minhas referências, pode ser totalmente diferente do que você percebe.

Jesus sabia que esta questão do “olhar” era algo determinante existencialmente. Por isso afirmou: “se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será bom”, ou seja, se você possuir um bom discernimento – consciência – tudo em sua vida se harmonizará e se tornará luz. Acredite: a maneira como “olhamos” para as circunstâncias da vida pode alterar, e de forma dramática, as perspectivas que nós temos.  

Com relação à frase do “fusquinha”, quero lhe dizer que há, pelo menos, seis formas de interpretá-la, segundo algumas correntes teológicas e uns modismos. Fato é que cada uma delas altera a “cena” em si mesma e, conseqüentemente, os seus desdobramentos.  Qual será a sua? Com qual delas você se identifica? Lembre-se que a forma de “olhar” muda o todo...

1ª Interpretação – QUANDO DEUS QUER, É ASSIM. Esta é uma frase típica dos que são adeptos da teologia da prosperidade. Ela preconiza que Deus quer lhe abençoar e, por isso, vai lhe dar todas as coisas que você deseja para ser feliz. A frase vaticina a “fidelidade” de Deus em ter concedido aquilo que a pessoa tanto ansiava, mesmo que seja um supérfluo. Os que olham para aquele objeto de desejo e não o possuem ficam imaginando o que PRECISAM FAZER para que a “benção” chegue até a sua “tenda” também.

2ª Interpretação – MESMO SEM DEUS QUERER, ESTÁ ASSIM. Ora, aquele carro estava um cacareco! Como ele poderia representar prosperidade? Na verdade, parece mais é OBRA DO CAPETA! Mais uma percepção... e, por incrível que pareça, uma das que mais faz sucesso na “Igreja”. Exalta o diabo como ator hollywoodiano, delega-lhe poderes imensuráveis, alça-o a categoria de popstar cósmico. Seus adeptos tendem a falar mais dos feitos e artimanhas do “tinhoso”, do que da graça e misericórdia de Deus.

3ª Interpretação – PORQUE ESTÁ ASSIM, DEUS NÃO QUER. Trata-se da teologia moral de causa e efeito. Nesta linha de pensamento, Deus é um contador implacável sempre em busca de fazer ACERTOS DE CONTAS com os seus “filhos”. Pecou? Pagou! Para estes não existe Graça, nem Cruz, nem Sangue, nem nada. Todo mundo tem de andar na linha ou leva pancada na cabeça. Deus assume o papel de um ser adoecido, neurotizado, raivoso, sempre em busca de castigar aqueles que saírem do trilho.    

4ª Interpretação – FOI ASSIM E DEUS QUER. Esta teologia trata da questão do livre arbítrio. Ela preconiza que todos nós temos liberdade de escolher e que Deus jamais interferirá nisso. Trata-se de um DIREITO INALIENÁVEL que cada pessoa tem e que não lhe será negado. Observe que primeiro vem à escolha humana – “Foi assim”. Só depois, uma vez que ela se harmonizou com o propósito de Deus – “Deus quer”.

5ª Interpretação – SE É ASSIM É PORQUE DEUS QUER. Eis uma perspectiva mais determinista. Nesta linha de análise, as coisas só estão do jeito que estão porque tudo já estava PREVIAMENTE ESTABELECIDO. Assim, dentro de determinados parâmetros, nada mais pode ser feito uma vez que “os dados já foram lançados”. Em síntese: Deus é soberano para fazer o que quer e bem entende.

6ª Interpretação – JÁ QUE FOI ASSIM, DEUS QUER. Esta teologia não é muito conhecida. Surgiu por volta de 1930 com o nome de “teologia do processo”. Hoje os teólogos usam a denominação de “teísmo aberto”. Observe que neste tipo de posicionamento, Deus torna-se “passageiro”, e não “piloto”. Ele não tem autonomia para decidir nem determinar o que vai acontecer e, sendo assim, apenas corrobora com o que já aconteceu. Em poucas palavras: Ele NEM AJUDA NEM ATRAPALHA; apenas observa. 

Não sei com qual destas correntes teológicas você mais se identifica. Talvez, até com mais de uma! Não estou aqui propondo uma discussão profunda sobre o tema, mas apenas dando-lhe, de forma simples, uma visão sobre alguns conceitos que, por vezes, os “teólogos” tornam por demais complexos. Tenho tentado, com grande esforço, simplificar minha fé, mas descobri que o “simples é o contrário do fácil”.  

E você, quer simplificar? Então vamos as Escrituras: “a vontade de Deus é boa, perfeita e agradável”. Independente do que você acredita, da teologia que você abraçou, Deus é bom e quer lhe fazer o bem! Quando Ele olha para você, está repleto de sentimentos de amor e de ternura, e isso lhe basta. Quanto a mim, o que sei, como disse o mavioso salmista de Israel, é que “paz e misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida. E habitarei na Casa do Senhor para todo o sempre”. O resto, eu deixo nas mãos de Deus...

S o l a   G r a t i a !
Carlos Moreira

02 setembro 2010

Vidas Secas




Ouvir pessoas tem sido um de meus “ofícios”. Abrindo o coração, elas dão a volta ao mundo sem sair do lugar, falam de seus dramas. De repente, embarco em “cenários”, torno-me parte de histórias, Sinto “dores de parto”; sofro...

Os dias são difíceis, nós já sabemos. Há um “espírito” pairando sobre nós – zeitgeist. Somos todos e não somos ninguém, nos commoditizamos, estamos em processo de desconstrução, pois tudo ao nosso redor é impermanente. Desumanizados, sem essência, sem substância, existimos sem a porção que nos torna gente.

Lembro de Graciliano Ramos, no seu livro “Vidas Secas”. É a história da mudança e da fuga. Produzido na década de 1930, “Vidas Secas” poderia ser a crônica de um jornal de hoje. Pessoas em fuga! De si mesmas, de lugares, de histórias, de “miséria” em “miséria”. Não se trata mais, como no romance, da busca pela subsistência, mas das premissas mínimas para a existência.   

Ezequiel nos expõe esta mesma realidade no capítulo 37 quando fala do “Vale de Ossos Secos”. Ali ele é levado a um local ermo aonde Deus lhe faz uma surpreendente revelação. O cenário ganha contornos de uma “sala de cinema” e o profeta, transformado em “mídia”, torna-se o “projetor” do inconsciente coletivo – Jung – da nação de Israel. Diante dele está o holograma imaterial do que estava acontecendo no mundo da matéria, das coisas visíveis. 

A “visão” de Ezequiel é fenomenológica, conforme Kant, pois está acontecendo no tempo e no espaço, mas também é consciência geral, comum a todos os sujeitos cognitivos, conforme Husserl. Neste cenário “ficcional”, ele vê diante de si um cemitério, um lugar onde a vida se extinguiu por completo. É o “mosaico” de “Vidas Secas” sob a pintura expressionista de Portinari.

De fato, aqueles eram dias difíceis... Israel, exilado na Babilônia, estava diante de uma cultura muito diferente da sua. Havia um forte sentimento de perda, pois Jeová os havia abandonado, e isso criara uma amargura incrustada na alma, um sentimento de revolta, de desespero e solidão. Foi à soma de toda esta energia psíquica que “produziu” a “visão” que Ezequiel, pelo Espírito, contemplou.

Ler o texto de forma consecutiva nos dá a impressão de que a “visão” do profeta não é “visão”, mas realidade, aquilo que está acontecendo naquele momento. Mas, na verdade, não é assim... Há algo no texto, ainda que sutil, que muda esse eixo de interpretação. Está no verso 11. Nele o autor faz a guinada na narrativa e, deixando o mundo espiritual “para trás”, retorna ao concreto, ao real. E é só a partir daí que Deus começa a esclarecer ao profeta o que ele havia visto: “11- Então ele me disse: “Filho do homem, estes ossos são toda a nação de Israel. Eles dizem: ‘Nossos ossos se secaram e nossa esperança desvaneceu-se; fomos exterminados”.

Naquele momento, a “visão” já havia cumprido o seu propósito: construir no coração de Ezequiel as percepções necessárias para o desenvolvimento de sua missão. Dali por diante, não era mais preciso “olhar” para o “Vale de Ossos Secos”, pois ele representava apenas “EFEITOS”. O grande desafio era voltar-se para as pessoas, para o mundo cotidiano, pois ali estava as “CAUSAS”, o nascedouro dos fenômenos capaz de transformar Vidas Singulares em “Vidas Secas”.

E tudo começa com o que está dito no verso 11: “nossos ossos secaram”. Não é uma frase solta, um lamento despretensioso. É o gemido que sai do íntimo do ser, pois a sequidão da alma havia chegado até aos ossos. Aqui está uma das causas para a desconstrução de vidas: “ALIMENTAR” O MUNDO IMATERIAL COM AS PRODUÇÕES DO MUNDO REAL. Principados e potestades “comem” tudo aquilo que nós produzimos! Por isso nossa luta não é contra pessoas, mas contra seres do mundo espiritual. “A serpente se alimenta do pó da Terra”; demônios se banqueteiam com sentimentos como iras, ódio, inveja, amargura, rejeição, e constrói em torno de nós uma “engrenagem” que se retroalimenta de tudo isto. 

A cura só se processa quando a alma é sarada pelo Espírito de Deus, através da pacificação interior, do perdão que é dispensado pela graça Divina. Isto fica perceptível no texto, pois a “reconstrução” do cenário de morte começa de dentro para fora; os ossos ganham nervos, tendões, carne e pele. A estrutura se ergue, fica de pé, mas ainda não tem fôlego, são autômatos, zumbis! Ainda se está diante de um cemitério. Só quando o Espírito é “soprado” sobre aquelas “carcaças” é que a vida recomeça e elas se tornam humanos.

O segundo ponto que percebo no texto, e que gera demolição em vidas, é a perda da esperança. Veja novamente o verso 11: “nossa esperança desvaneceu-se”. Trata-se do aprofundamento do estágio anterior; é A PAVIMENTAÇÃO DO CAMINHO PARA A DESARTICULAÇÃO DAS ESTRUTURAS DO PSIQUISMO. Quando a esperança se vai, a pessoa não acredita mais em nada. É o “esquematismo da miséria”. É Neste estágio que se instalam em nós doenças como a depressão, os distúrbios psicossomáticos e as síndromes – do pânico, por exemplo. A vida perde o apetite, o significado, a razão de ser.

Thomas Quincey diz que “as pegadas feitas na alma são indestrutíveis”. Ali estava um povo ferido, sem esperanças. Suas almas eram como masmorras sombrias, “esgotos” de desespero e agonia. Trancadas em si mesmas elas se revolviam em meio à dor e assim drenavam toda energia vital, toda alegria, tudo o que produz paz e bem. Tire os sonhos de um ser humano e você verá que ele não terá mais horizontes. Os Israelitas já não acreditavam que era possível sair daquela girândola da morte.

Aí entra Deus no descaminho humano! O verso 12 diz: “abrirei os seus túmulos e fá-los-ei sair”. Sim, há pessoas cujo interior tornou-se cova, lugar de morte. Ali está todo acúmulo de negatividade que a vida deixou. É como o sargaço trazido pela maré que fica na praia e apodrece. Mas Deu derrama luz nas nossas trevas! É a luz da confissão e do arrependimento que faz com que a poeira dos porões do ser saia pelas janelas da alma! É o resgate da vida! O choro dura uma noite, mas a alegria vem pela manhã!

Finalmente, ainda percebo um último “fenômeno” que destrói pessoas. Observe a fala final do verso 11: “fomos exterminados”. É uma afirmação conclusiva, definitiva, última. Viver agora é mero cumprimento de obrigação, é rotina, enfado e canseira. Este “sentir” representa o que considero A CONSTRUÇÃO DA LOGÍSTICA PARA ACOLHER AS SOMBRAS DA MORTE.

Ah, como tenho encontrado gente assim, com a “Vida Seca”, se arrastando existencialmente, amargando existir, na estação outonal, onde os pranteadores andam ao derredor, e as aves esperam a carniça para devorá-la. Em circunstâncias como esta, só um novo projeto pode trazer resultados. Aqui não adianta mudar hábitos, condicionamentos, ou até mesmo mudar de lugar, fugir, como fazia o Fabiano, do livro de Graciliano Ramos. Aqui é preciso uma nova perspectiva.

Por isso Deus – verso 12 – precisava semear entre eles um novo sonho: “trarei vocês de volta a terra de Israel”. Agora sim! Ele voltara a agir no meio do seu povo! O céu deixara de ser de bronze, impermeável, pois o tempo da visitação chegara novamente, o dia oportuno, o dia da salvação! A Babilônia ficaria para trás, com suas “simbologias” que representavam um tempo onde a “vida secou”. Mas o Espírito Dinâmico entendera que à hora do resgate havia chegado. Agora era só aguardar o livramento!

“Vidas Secas”... Como torná-las férteis novamente? Talvez analisar estes processos descritos anteriormente ajude a compreender algumas dinâmicas fenomenológicas e arquetípicas que se interpõe no caminhar dos humanos sobre a Terra.

De todo modo, em João, capítulo 7, Jesus nos apresenta uma perspectiva ainda melhor: “se alguém tem sede venha a mim e beba”. É uma metáfora em alusão a única coisa que pode gerar saciedade existencial: ir a Ele e, nEle, ser! Estais sedento? Venha e beba! Sua vida se dessignificou? Venha e beba! Tem existido com sombras no coração, com hálito de morte? Venha e beba! Perdeu a esperança? Venha e beba! O convite permite que se plante, no “jardim” do coração, sementes de misericórdia, as quais serão regadas diariamente com lágrimas de amor. Creia-me: você verá que, em pouco tempo, elas produzirão verdadeiros milagres; paz, saúde, vida e bem.

S O L A   G R A T I A  !

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